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A História do Racismo (Documentário)

Posted in Educação, Política & Políticos, Sociedade with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on julho 29, 2013 by projetomuquecababys

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Racismo Uma História. O filme aborda o cruel legado deixado pelo racismo ao longo dos séculos. Iniciando pelos EUA, berço da Ku Klux Klan, onde o pesquisador James Allen, possuidor de vasta coleção de material fotográfico e jornalístico sobre linchamentos, defende que há um movimento arquitetado para apagar a mácula racial da memória do país. A seguir, remonta à colonização belga do Congo, por Leopoldo II, onde os negros que não atingiam a quota diária de borracha tinham a mão direita decepada. O documentário trata ainda da problemática racial na África do Sul (Apartheid) e Grã-Bretanha, abordando a luta do Movimento pelos Direitos Civis nos EUA e a desconstituição do mito da existência de raças.

RACISMO UMA HISTÓRIA

O racismo surge realmente nos séculos XVI e XVII, sobretudo neste último. Os europeus praticavam a escravidão e há alguns séculos escravizavam pessoas na África e no Novo Mundo. A história do racismo no mundo ocidental é amplamente associada à escravidão como a forma primitiva do colonialismo. E é nesse contexto que algo chamado raça é criado o que significa essencialmente que certos povos definidos como não europeus são dominados e governados por europeus. Para as pessoas nos EUA, nos séculos XVII e XVIII a raça era um fato da vida, e creio que o racismo é algo que surge como interação necessária. Não se trata de pessoas criando racismo no laboratório ou no escritório para depois sair ao mundo para aplicá-lo. De certo modo, os brancos, os negros e os índios estabeleceram suas ideias de raça, em proximidade uns dos outros, através do contato. Os britânicos não se tornaram traficantes de escravos e escravizadores por serem racistas. To rnaram-se racistas porque usavam escravos para obter grande lucro nas Américas e criaram um conjunto de atitudes em relação aos negros para justificar o que faziam. A verdadeira força motriz detrás do sistema escravocrata era a economia.

A COR DO DINHEIRO

Os africanos eram produtos de comércio, para serem adquiridos, vendidos, arrendados, herdados. Eram como os outros bens de comércio. E quando isso foi instituído, tanto nos navios negreiros que zarpavam aos milhares dos portos britânicos como nas plantações assim que isso ficou instituído como base da expansão da riqueza britânica, como se pode argumentar que de uma maneira ou de outra que a grande inferioridade dos negros não é inerente aos valores culturais fundamentais dos britânicos? John Hokins foi talvez o primeiro comerciante inglês a raptar escravos do Tigrin, situado a alguns quilômetros de Freetown, e a retirar à força escravos da Serra Leoa. O triste é que este homem até se tornou cavalheiro. Quando na escola, lemos sobre o sargento Hokins, como se ele fosse uma boa pessoa, uma pessoa honrada, alguém que contribuiu positivamente para a criação do império britânico. Só muito mais tarde, alguns de nós aprendemos, com pesar, que de fato ele não apenas estava envolvido no comércio de escravos, mas ele realmente capturou escravos. Ele instalou locais ao longo do cais, ao longo do que hoje chamamos “Government Wharf”.

Ao longo do tempo, tornou-se uma indústria, muitos ingleses nos negociavam e muitos governantes da Serra Leoa, especialmente os próximos à costa, envolveram no comércio de escravos. E temos, por exemplo, várias ilhas ao longo da costa da Serra Leoa que eram importantes entrepostos de comércio negreiro. Como a ilha Bunce, por exemplo. Onde havia entrepostos ingleses, europeus e até americanos estavam envolvidos no comércio de escravos da ilha de Bunce. Quando um comerciante vinha comprar, eles eram numerados aqui. Se fossem do grupo A, levavam o grupo A e colocavam naquele espaço onde havia uma fogueira e eles eram marcados no ombro. Claro que sabemos como eram levados, capturados, amarrados, acorrentados e jogados dentro dos navios. Era uma experiência terrível para os escravos, do momento em que eram capturados até chegarem ao chamado Novo Mundo. E os que sobreviviam e que lá chegavam eram expostos à venda. E depois, quando eram comprados, sofriam todo tipo de indignidades. Uma mulher custava o preço de dois homens. À tarde, ela trabalhava nas plantações. À noite, elas voltava a trabalhar, para gerar os filhos dos patrões. Por isso, que se tinha que pagar o dobro por apenas uma mulher. Quando o navio chegava, eles as embarcavam e partiam. Elas não eram mais vistas.

Numa estimativa conservadora, mais de 11 milhões de africanos foram transportados através do Atlântico. Acorrentados e amontoados como animais, pelo menos 2 milhões morreram durante a viagem infernal conhecida como “Passagem Atlântica”. Os escravos eram vistos como pessoas sem raízes, pessoas sem terra, alienadas do seu país. Ou seja, não tinham direitos de nascimento. E eram considerados como pessoas que tinham sido arrancadas de outra sociedade sem serem socializadas na nova. Então, por assim dizer, estavam socialmente mortos. Eram vistos como pessoas sem honra, o que é uma condição degradante. Para o senhor de escravos, isso significava um poder absoluto sobre o escravo. Independente do que diziam as leis, tinham direitos de vida e morte. Chegou-se a uma situação em que milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares de negros ou pessoas de pele escura eram mantidos sem qualquer direito e obrigados a trabalhar dia e noite por um sistema de vigilân cia com chicotes e alfanjes. Claro que havia o receio de que eles tentassem se rebelar, tentassem fugir, e, quando isso acontecia, matariam os senhores e os capatazes e suas esposas na sua cama. E qualquer branco era visto como um inimigo em potencial pelos negros.

Assim, há um medo mútuo entre os dois grupos e isso tendia a consolidar o sentimento racial.

O único modo de manter a sociedade escravocrata minimamente segura era armar todos os homens brancos e até mesmo algumas mulheres brancas. Você estava ali, na casa grande de sua plantação, no seu entreposto, pensando no que os nativos estariam fazendo, como nos filmes de época, que os nativos são inquietos. O que são esses tambores ao fundo? Havia a ideia que essas pessoas estavam se reunindo, que iriam invadir, nos atacar. Era uma espécie de projeção. Em outros termos, você invadiu os países deles. Você os subjugou.

Há uma longa história de “perigos de cor”. Há os peles-vermelha. Os índios. Os peles-amarela, os peles-negra. Há decididamente o outro não-branco. Que o outro não-branco está ameaçando, assustando, que talvez venha a atacar. Isso provavelmente provém de uma consciência pesada, de uma espécie de reconhecimento subconsciente do tipo de coisas que foram feitas com o outro não-branco. No começo do século XVI, desde o Chile, no sul, à Flórida, no norte, esses “outros não-brancos” não passavam de vermes a serem exterminados. O monge dominicano Bartolomé de Las Casas foi testemunha ocular de incontáveis atrocidades às populações nativas. Seus relatos parecem um catálogo de um genocídio.

“Na terra da região conhecida por Flórida, “os espanhóis assassinaram muitos, como se fosse um costume, “a fim de incutir medo nessas pessoas. “Fizeram de suas vidas uma completa miséria, “tratando-as como animais de carga. “Numa outra cidade, os açougueiros assassinaram todos, “jovens e idosos, líderes e pessoas comuns.”Nem as crianças foram poupadas. “O açougueiro-chefe fez com que grande número de nativos da área “tivessem seus narizes, lábios e queixos arrancados do rosto. “Eles estavam numa agonia indescritível e cobertos de sangue. “Seus atos são testemunhos vivos das grandes ações “e milagres sagrados feitos por esses missionários “da sagrada fé católica”.

As coisas que Las Casas testemunhou, em especial, na Península Ibérica ou em Cuba, estes crimes e ataques incríveis contra os índios, estripamentos, fogo, estupros, etc. Tenho certeza que esse nível de violência era algo que se podia presenciar em diferentes lugares nos séculos XVII e XVIII em outras partes do império espanhol. Mas foi particularmente um momento terrível que Las Casa presenciou a chegada dos espanhóis à América e a tentativa de forçar os índios a trabalhar. Os relatos de Las Casas causou bastante desconforto para o Conselho das Índias, a administração espanhola do Novo Mundo. Foi convocado um debate em Valhadolid, Espanha, em 1550.

O debate consistia não apenas nos maus tratos aos índios, mas se podiam ser classificados como seres humanos. Debatendo com Las Casas, o defensor da população nativa, estava um jesuíta, Juan Ginés de Sepúlveda. Nessa época, a Espanha estava na América há cerca de 50 anos. E durante esse período as brutalidades cometidas pelos conquistadores atingiram tal monta que despertou algum alarme. E nesse contexto surgiu esse debate. De um lado, havia a ideia que os índios tinham alma, podiam ser catequizados, e deviam ser tratados não como servos, não como trabalhadores forçados, mas como pessoas sob a proteção dos espanhóis. Do outro lado do debate, estava a ideia de que talvez esses povos não tivessem alma, talvez eles fossem escravos naturais. E nesse contexto eles podiam ser coagidos a trabalhar. O que Las Casas queria fazer era mudar a política da Coroa Espanhola em relação aos índios. Paradoxalmente, ele conseguiu banir a escravização dos índios. Foi algo que a Coroa Espanhola proibiu, declarou ilegal. E em 1542, as leis foram alteradas para assegurar que não houvesse mais escravos índios. Mas Las Casas também sugeriu que a falta de mão de obra na América podia ser resolvida com escravos negros da África. Algo que mais tarde ele se arrependeu. Mais tarde na vida. É um momento chave, na medida em que a reflexão sobre o sistema que produz a ideia de raça está presente neste debate.

É o sistema que produz a noção de raça que a definirá nos 200 a 300 anos seguintes. É esse o sistema colonial que pega essa ampla variedade de povos e os define como índios. Impõe essa classificação a eles. E é nesse contexto que se começa a ver duas coisas que andam de mãos dadas com o desenvolvimento do racismo. De um lado, as instituições que controlam populações exploradas, oprimidas. E nesse contexto os debates que foram feitos para definir que tipo de populações eram.

Os debates começaram com advogados, passaram para antropólogos, e depois para biólogos. Sempre debatendo dentro deste contexto. Do colonialismo, que fixa tais pessoas como objeto de investigação. Terça-feira, 11 de outubro. Até agora, nada de terra. As próximas 12 horas irão decidir. O momento crucial na história racial de todo o mundo Atlântico e do mundo foi Cristóvão Colombo, mas não na 1ª viagem que tomo mundo conhece, mas na 3ª viagem em 1498.

Colombo zarpou rumo ao sul, para Serra Leoa, onde ele notou que as pessoas eram muito negras, completamente negras. E ele rumou ao leste de Serra Leoa até chegar próximo à Trinidade, na costa norte da América do Sul. Ele registrou que a população era branca com cabelos loiros. E não deveria ser possível, segundo a predominante teoria da cor de pele em todo o mundo clássico e período medieval. O que houve com Colombo é que… as pessoas começaram a perceber que poderia permanecer na mesma latitude e obter cores de pele radicalmente diferentes. E se isso era verdade, então deveria haver outra explicação para a cor da pele além da… geografia! É aí que começam a surgir as teorias biológicas das diferenças de cor de pele. E isso acaba levando às teorias racistas das diferenças de cor de pele. Então surge a ideia, originalmente identificada como pré-adamismo. De que talvez haja múltiplas origens e que… seres humanos pouco civilizados e mais primitiv os têm uma origem não contemplada pela narrativa bíblica, mas estão próximos ao mundo animal. Essa visão então se desenvolve no poligenismo, isso quer dizer de múltiplas origens. Quando os europeus encontraram pela primeira vez os chimpanzés, ficaram surpresos pelas semelhanças entre os chimpanzés e os humanos. Mas eles denominaram os chimpanzés de dris.

Uma das questões abordadas por Jonh Locke no “Ensaio sobre o Entendimento Humano”, é a questão de se os humanos haviam cruzado com os macacos. A pergunta constantemente feita no século XVII era se os povos africanos podiam ser classificados como da mesma espécie dos europeus. E Locke tinha sérias dúvidas se eram da mesma espécie ou não. E uma das explicações para os povos africanos, que começa a ser ouvida em Barbados, por exemplo, na colônia inglesa em Barbados, no século XVII, era que os africanos negros eram produzidos pela relação sexual entre um chimpanzé e um ser humano. Então eles não são humanos. Eles são parte animal. Isso se soma a série de preconceitos acerca da animalidade dos africanos, sua bestialidade e sexualidade como animal. Até mesmo no século XX, tem-se a alegação do jazz ser animalístico. Esses são preconceitos que começam a estar presentes na cultura europeia no século XVII. No contexto do que achamos do ponto de vist a das grandes questões científicas e filosóficas. E também do ponto de vista literário.

Em “A Tempestade”, não importa como você interprete Calibã, o estranho mestiço de Shakespeare reforça a ideia de que os escravos não são completamente humanos. Shakespeare não sabia como resolver essa problemática. Seria ele da classe trabalhadora? Seria o proletário? Seria africano? Seria o selvagem? Shakespeare não sabia como criar Calibã. Ó escravo venenoso, pelo próprio diabo gerado em tua mãe maldita. Apresente-se! Em “A Tempestade”, parece claro que Shakespeare imaginou Calibã como um escravo negro. Ele tinha mãe africana e como pai, um demônio negro. Em certo aspecto, Calibã é a primeira representação do rebelde, sexualmente obcecado, violento e ignorante escravo negro. Sujo como és, tratei-te como gente, alojando-te em minha própria cela, até quando ousaste querer desonrar minha filha. Quisera tê-lo feito. Mas me impediste. Eu teria povoado a ilha com Calibãs. Shakespeare o retrata como alguém que podia ser enganado com algumas b olhas. Nada de metanfetamina ou crack,mas por algumas bugigangas e algumas bebidas.

Muitos Calibãs eram encontrados nas plantações inglesas da América. De fato “A Tempestade” foi parcialmente inspirada na história do navio que encalhou nas Bermudas, com a tripulação amotinada. O Sea Venture rumava para as plantações da Virgínia, uma colônia escravagista onde Shakespeare tinha investimentos. A noção econômica da plantação como um grande lugar de agronegócios e de grande cooperação de trabalho humano para o campo agricultável começou na Irlanda, começou em Ulster. Claro que era uma casa de comércio londrina que queria fabricar laticínios e iniciar plantações em Ulsterna época que… na época de Shakespeare, no fim da vida de Shakespeare, a Virginia Company estava fundando uma colônia na Virgínia.

A ideia de que os grandes dias de glória da Inglaterra começaram com Elizabeth… não houve colônia inglesa bem sucedida no reinado de Elizabeth. As grandes vitórias imperiais agressivas inglesas começaram no século XVII sob o governo de Cromwell, com a expansão do império e a conquista da Jamaica. É aí que os ingleses também começam a se ver como parte da raça branca superior. Oliver Cromwell é um personagem corajoso, poderoso e revolucionário. Ele foi um grande general e comandante do capitalismo, que transformou o Atlântico, se não o mundo inteiro. Esta visão poderosa que ele tinha de estar fazendo o trabalho de Deus começou no interior da Inglaterra onde as grandes estruturas hidráulicas de Vermuyden da Holanda foram instaladas para drenar os campos. Ele teve papel nisso. De privar ou de retirar as pessoas de suas terras habituais a fim de produzir as riquezas das planícies aluviais de Lincolnshire e Northbrook. Ele então transforma isso numa int er-relação, digamos, entre a água e a terra, cruzando o Atlântico para fundar as plantações de açúcar. Ele não fez isso sozinho, é claro. Ele fez com uma classe de pessoas. Por isso chamamos de classe capitalista porque ela esperava capitalizar a terra, transformá-la em mercadoria e então em capital, fazendo isso através da plantação de açúcar na década de 1 na época da Revolução Inglesa, da guerra civil inglesa. É uma incrível história de conquista, crueldade e Deus.

Se observarmos os estados do sul dos EUA, até a altura da guerra civil, a maior fonte de riqueza na América era a posse de escravos e do trabalho escravo. Isto é monstruoso. E é nesse processo de ser capaz de comandar os recursos de outras partes do mundo, extraí-los para suas indústrias e comandar a mão de obra que se cria esta enorme desigualdade estrutural. Os britânicos ficaram abastados graças à escravidão. Liverpool e Bristol crescem a níveis extraordinários de bem-estar material e urbano por causa do sistema escravocrata. O Lloyd’s of London, o Banco da Inglaterra, o Banco Barings, o Banco Barclays, Lorde Harwoods da Casa Harwoods instituições imponentes que existem por todo lado estão completamente enraizadas no sistema escravocrata. Mas é um sistema que precisa de uma justificação. Esse é o elemento racista que ele contém, mas a sua verdadeira razão era o lucro. É uma espécie de lavagem do lucro da escravidão ao invés de sua simples apl icação em empresas econômicas é, ao meu ver, uma parte importante do desenvolvimento moderno da Grã-Bretanha. Por exemplo, sempre penso em Bristol no crescimento de Clifton e por aí adiante, completamente ligado ao lucro com a escravidão, com o comércio negreiro do século XVIII início do XIX.

A escravidão tal como existia em algumas partes da Europa, anteriormente a este período do comércio negreiro Atlântico, não estava especialmente ligada à cor. Sim, os escravos na Europa Ocidental podiam ser eslavos, mas tinham a mesma cor de pele e você não podia dizer só de olhar para alguém, se era escravo ou não.

Quando surge as Índias Ocidentais por volta de 1700, você pode dizer só de olhar para alguém se ele é escravo ou não. Os povos antigos, no geral, não sofreram dessa forma de identificação de raça e escravidão baseada na raça. Mas tinham sua própria visão, que era que todos os estrangeiros todos os não-gregos, todos os forasteiros, em princípio, podiam ser legitimamente escravizados, porque eram inferiores. Não eram apenas os não-gregos que eram considerados inferiores desta forma absoluta. Os homens gregos consideravam as mulheres gregas do mesmo modo. Por isso se fosse homem e grego pertencia só por este fato a categorias superiores.

Para começar, o sentimento racial pode assumir simplesmente a forma de aversão, de desagrado. Mas no caso da escravidão do Novo Mundo, assume a forma de dominação, de exploração. Algo mais coerente, mais planejado. Não é apenas um preconceito casual contra pessoas diferentes de nós. É a determinação de usar estas pessoas diferentes de nós. E é isso que cria o sentimento racial mais intenso que surge na adoção generalizada da escravidão nas plantações das Américas.

Na antiguidade, os defensores da instituição da escravidão não se fiavam nas ideias de inferioridade racial ou cor da pele para justificá-la. Mas as ideias de um dos grandes pensadores da antiguidade, que foi muito citado no debate de Valhadolid, seriam adotadas no contexto da escravidão do Novo Mundo.

Aristóteles, se é que posso usar uma expressão terrível, foi o algoz pois suas ideias eram consideradas desde o final do período medieval e citadas porque Aristóteles era considerado, embora não afortunado, não era cristão, viveu demasiado cedo, no entanto, tinha muita reputação. E se ele dissesse que a escravidão era um fenômeno natural, então provavelmente era verdade. Mas é muito importante esclarecer que Aristóteles não falava em termos das características raciais externas da cor.

Gênesis, capítulo 9, versículo 25. “E Noé começou a ser um marido… Uma autoridade ainda maior que Aristóteles foi invocada para justificar a escravidão. Deus e a Bíblia.

Gênesis, capítulo 9, versículo 2 era interpretado pelos cristãos como a autorização divina para traficar escravos e possuir as plantações.

É uma espécie de história engraçada e da nossa perspectiva parece ridícula. Mas foi levada muito a sério. Após o Dilúvio, Noé sai da Arca, ainda há água por toda parte, ele decide que vai criar um vinhedo. Noé se embebeda. Ele tem 3 filhos: Jafet, Sem e Cam. Cam vai à tenda do pai, onde ele está deitado inebriado. Ele retira o lençol, olha para Noé e depois chamou seus irmãos. “E Cam, o pai de Canaã, viu a nudez de seu pai…” Ele disse: “Olhem para nosso pai, ele está nu.” E tentou fazer com que os irmãos rissem. Quando Noé desperta de sua letargia, fica furioso e roga uma praga nos descendentes de Cam. “Ele disse: Maldito seja Canaã, “que ele seja o último dos escravos de seus irmãos!” Ele diz que o filho de Cam, chamado Canaã, está a partir daquele instante amaldiçoado para sempre. E ele será escravo dos irmãos, Sem e Jafet.

A maldição de Cam não foi especificamente negra. Um escritor medieval, representando os lordes senhoriais, que escreveu: “Os camponeses são descendentes de Cam, e por isso devem servir.” A palavra “escravo” surgiu do termo “eslavo”. Pessoas que tinham sido capturadas nas fronteiras orientais da Europa.

Só por volta do século XV quando os portugueses no noroeste da África começaram a identificar especificamente os africanos como maldição. Mas a ideia de que um ramo da família humana tinha sido escravizado por causa desta maldição é muito útil para os opressores. É uma versão que agrada a todos os opressores pois se pode escolher qualquer grupo que se queira escravizar ou oprimir como sendo descendente de Cam. Assim, tem-se uma justificação bíblica para maltratá-lo.

O cristianismo faz coisas diferentes em épocas diferentes. Em outros termos, há certamente uma corrente de pensamento na qual as pessoas justificam a escravidão, argumentando que ela convertia as pessoas da África ao cristianismo. O cristianismo é apenas um aspecto de um número de diferentes sistemas de pensamento que criaram as bases coloniais para os tipos de conhecimento que serão utilizados para definir populações não-europeias.

Passamos do cristianismo para o liberalismo, para noções de humanitarismo, para o capitalismo. Todos esses tipos de intervenções para tentar gerenciar e explicar o empreendimento colonial. Sem questionar o empreendimento colonial. Sem questionar o que é a escravidão atlântica. O papel do cristianismo na escravidão é muito complexo. Em boa parte de sua história aceitou a escravidão como parte da ordem natural das coisas.

Se quisermos traçar um paralelo, seria a atitude que temos em relação a um sem-teto hoje. Não vemos isso como um pecado ou algo maléfico, mas como uma situação infeliz. E isso prosseguiu até meados do século XVIII quando houve uma mudança verdadeiramente radical na qual alguns pensadores cristãos começaram a ver a escravidão como um pecado.

A escravização dos nativos da América do Norte nunca foi uma política europeia. Mas isso não facilitou a vida desses povos indígenas cuja a relação com os colonos acabaria por vitimar ou matar a maioria deles. Se analisarmos a partir da perspectiva dos nativos americanos, quando os brancos chegaram foi uma perturbação. Eles eram chocantes e surpreendentes de todas as formas. Mas, para muitos índios, eram vistos apenas como mais um grupo rival. E é um dos fatos interessantes da história americana do século XVII.

Na perspectiva dos índios, os brancos eram semelhantes a outras nações indígenas rivais. Talvez se negociassem ou se fizessem guerra com os brancos, talvez se aliassem aos brancos contra outra nação indígena. Os índios não viam as coisas em termos de “brancos” e “vermelhos”, se quisermos expressar assim. Porque os assentamentos brancos não eram tão poderosos. Isso só aconteceu muito mais tarde nos séculos XVII e XVIII. Eles não viam como uma invasão, como uma forma de genocídio, a ponto de se unirem como índios contra brancos.

Os modos e pensamentos do homem branco são estranhos. Mas apesar de nossas peles terem tons diferentes, somos amigos, Chingachgook! Podemos falar do século XVIII como um período de 100 anos no qual os índios começaram a perceber que a batalha era entre eles e o branco. E em 1763, quando ficou claro para grupos diferentes de índios do centro-oeste de que os ventos estavam mudando, eles iniciaram uma rebelião. Ela foi liderada por um índio ottawa chamado Pontiac que cercou o forte britânico em Detroit. Ele não conseguiu destruir o forte, mas assustou as pessoas de lá. E fez com que Londres tomasse ciência do problema de lidar com os índios, especialmente os do centro-oeste.

Uma das coisas mais extraordinárias que aconteceram é que George III declarou, no outono de 1763, uma linha de proclamação, como foi chamada.Uma linha de proclamação que proibia que qualquer colono branco se fixasse além das montanhas dos Apalaches sem a sua autorização. Efetivamente, a ideia era frear os assentamentos brancos para preservar as relações comerciais britânicas com os índios. Mas a ironia é que havia muitos colonos brancos viajando para a América à procura de terras. Assim, em 1763, essa proclamação real cria uma nova tensão entre os colonos brancos na América e a Coroa. Esse foi um dos fatores da Revolução Americana.

Os colonos brancos passaram a acreditar, depois de 1763, que o governo britânico não os apoiava, mas aos índios. Após a Revolução Americana, ou no processo da Revolução, os americanos brancos ficaram aguerridos. E os novos EUA deixaram de ser uma nação amiga dos índios. Os nativos americanos estavam numa situação difícil. Se eles se aliassem aos britânicos, cuja base era o forte Detroit, arriscavam a sofrer a ira dos rebeldes sediados em forte Pitt. Se aliassem a esses americanos e aos seus milicianos, estariam pedindo uma reação implacável dos britânicos. E quanto a tentarem ficar neutros, mesmo que estivessem na Pensilvânia, um estado fundado pelos quakers sob os princípios do amor cristão, também sofreriam consequências fatais. Um grupo que permaneceu neutro foi o dos índios cristãos moravian, que estavam reunidos em 3 pequenas comunidades, e a mais importante delas Gnadenhutten. Como moravian cristãos, devia haver de 100 a 150, tentaram ficar fora da guerra. Não eram índios hostis. Tinham adotado muitos dos costumes, equipamentos e tecnologia dos brancos. Liam a Bíblia, entoavam os hinos. Eram para todos os efeitos o modelo para pessoas, que no século XVII, queriam converter e civilizar os índios. Então um grupo de milicianos da Pensilvânia chegou. Quando eles recolheram tudo que poderia servir como arma, ferramentas, machados, o que quer que os índios tivessem que pudesse ser usado contra eles, os milicianos se reuniram e decidiram matar todos eles. Cada um dos índios, na verdade a maioria era de mulheres e crianças, creio que havia cerca de 30 homens, os outros cerca de 60 ou mais eram de mulheres e crianças, foram massacrados. Foram levados aos pares para uma cabana onde recebiam um golpe com um martelo. Os miolos saltavam, sem considerar que eles não eram guerreiros. Ao fim do massacre, os milicianos brancos desapareceram. Nunca foi tomada qualquer medida legal contra eles. E o argumento foi que esses índios tinham ferramentas com inscrições,tinham livros e implementos que só podiam ter roubado dos brancos. É essa a tragédia ou ironia de tudo isto. De certo modo, os pertences que demonstravam que os índios cristãos eram civilizados foram usados contra eles. Os milicianos não acreditaram que eram deles.

Creio que é uma história muito evocativa para a Pensilvânia, porque o que começou como uma experiência nobre com brancos e índios vivendo juntos tinha ser transformado numa espécie de guerra racial atroz, na qual a distinção entre o bom e o mau índio foi completamente apagada. Isso remete a um dos problemas dos colonos brancos americanos: O que significa ser americano? O que existe na América enquanto local, que define as pessoas que aqui vivem? Quando a Festa do Chá de Boston ocorreu em dezembro de 1773, como protesto contra os impostos sobre o chá fixados por Londres, temos os patriotas, correndo para os navios da Companhia Britânica das Índias Orientais e jogando o chá no mar, vestidos de índios. Para mim, isto é muito interessante porque se vestiram de índios para provar que eram americanos. Quando se passa a fase de dominação militar dos índios, eles se tornaram bastante úteis culturalmente ao articular o americanismo, a ideia de ser americano. Por isso há motivo para haver carros chamado Cherokee e Pontiac. Se listarmos os principais chefes índios ou as principais tribos indígenas é provável encontrarmos um veículo ou uma arma batizados em nome deles. O helicóptero Apache, o míssil Tomahawk, não precisamos ir longe para achar essa ligação. Como muita gente cita, o índio aparece na moeda de cinco centavos, mas o africano não aparece em nenhuma. O índio era uma espécie de símbolo do estilo americano. O destino da América era ser civilizada e os índios tinham que se civilizar ou desaparecer. Mas eles continuavam a ser mais identificados ao estilo americano do que os africanos podiam ser. A única coisa que nos vem à mente, considerando um longo período, é que uma das principais marcas distintivas das relações entre brancos e negros nos EUA foi a ideia da “Lei da Única Gota”, a pureza de sangue. Para ser branco não podia ter um antepassado negro conhecido. Nem sempre isso era imposto, mas era a lei. O casamento inter-racial com os índios, que remonta a John Rolfe e Pocahontas, não era tabu. Quando Oklahoma se tornou um estado, na sua constituição, um grupo de índios se envolveu na instalação do governo estadual em 1910. E a lei dizia que não podia haver casamentos entre brancos e negros, e entre índios e negros. Mas deixaram os índios e brancos livres para casar.

A metade do século XVIII é considerada o momento histórico perfeito, quando o sonho iluminista da irmandade universal capitaneado por filósofos como David Hume, Voltaire, Rousseau e os enciclopedistas se fez presente. Este período deu azo aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Princípios que fomentaram as Revoluções Americana e Francesa. Mas estes princípios democráticos não foram aplicados universalmente. Escolha qualquer intelectual de vulto do Iluminismo e, quase sem exceção, encontrará um proponente da igualdade de direitos que acredita que realmente alguns homens são mais iguais que outros. Kant é considerado um dos filósofos mais importantes do período moderno dos últimos cem anos. E é certamente considerado o filósofo moral mais importante, onde a ideia crucial é a da pessoalidade, de respeitar o próximo, de não desdenhá-lo. Contudo, simultaneamente Kant também tem artigos em antropologia e em geografia física no quais ele desc reve uma espécie de nível de quatro camadas de seres humanos. Essa é uma visão racista e restritiva da pessoalidade, onde o pré-requisito para a pessoalidade é ser branco. Apenas a camada europeia, a primeira camada, que tem o necessário para serem pessoas completas. Os asiáticos estão abaixo dos europeus, e os negros abaixo dos ameríndios. Essas são as camadas. E mesmo sendo seres humanos, não são pessoas completas.

O Iluminismo é uma faca de dois gumes. Ele forneceu as bases para o argumento da igualdade social e política de todos os homens, mas ao mesmo tempo forneceu oportunidade para olhar para os seres humanos não como filhos de Deus, mas como variedades de um animal. Se decidir que certos seres humanos não são humanos, que não pertencem a mesma espécie. Então eles não terão qualquer direito de assinar contratos e não podem fazer parte do contrato social que forma nosso sistema político. E é exatamente isso que acontece nessas primeiras democracias. Os negros não tinham direito ao voto. Muitos dos filósofos que escreveram neste período tiveram um papel racionalista crucial em justificar o imperialismo europeu e a justificar o domínio dos brancos sobre as pessoas de cor. Então por que estas coisas não são mais conhecidas? Por que os seguidores de Kant não o abordaram nessa questão? A sua marginalização de certa forma se coaduna com a visão higienizadora do s filósofos das principais correntes de modo a saber que representa Locke, Kant e Hegel. Representa-os de forma a não remeter para a espécie de dimensões racistas do seu pensamento. E isso contribui para uma imagem do período moderno da qual a raça foi apagada.
Em nome de suas majestades Fernando e Isabel, rei e rainha de Castela, Leão e Aragão, tomo posse desta terra e a batizo de São Salvador. Apesar das atrocidades perpetradas por espanhóis e portugueses após o descobrimento do Novo Mundo, os colonizadores acabaram desenvolvendo uma sociedade na qual os europeus se misturaram com os índios numa escala inimaginável na América do Norte franco-inglesa. Mas no sul isso era conveniente para os colonos, eles tinham de se multiplicar ou seriam extintos, pois não havia muitos deles. Os espanhóis viam os índios de uma forma diferente dos britânicos.
Acho que desde a colonização, os espanhóis tenderam a ver os índios como pessoas que podiam se encaixar em seu sistema social. Não porque os espanhóis necessariamente fossem bons, mas porque por inúmeras razões havia menos brancos na América espanhola. Porque a Espanha nunca colonizou a América com o mesmo número de colonos trazidos da Grã-Bretanha e da Inglaterra. O número de espanhóis peninsulares, como eram conhecidas as pessoas da Península Ibérica que vieram para a América Latina, foi muito menor. Emerge no período do Iluminismo, no final do século XVIII, à medida que o abolicionismo começa a chegar a esta parte do mundo, uma forma muito mais vigorosa de interação racial mista da encontrada em outras parte do mundo. É uma tradição diferente que surge da colonização sul-europeia. Portugueses de um lado. Espanhóis do outro. E dessa grande disposição em se empenhar em formas de interação mista e relações sexuais mistas. E identificarem e reconhecerem o surgimento de populações mistas.

Desta mistura obtém-se, nos últimos 30 anos, de 1760 a 1790, no México, na Cidade do México em especial, mas também variações no Peru e em outras partes, o que se chama pintura de castas, ou de mistura de raças. Pintura de castas, como queira chamar, que se caracteriza em termos classificatórios explícitos. E a classificação é uma forma emergente de racionalizar o pensamento iluminista. A pintura de castas engloba a descendência que surge de tipos de misturas. A mistura do que chamam espanhol e índio por um lado, e espanhol e negro pelo outro. Em relação aos europeus ou brancos com outras formas raciais, indiana e africana, e depois mistura as misturas das misturas por assim dizer. Assim, obtêm-se várias gradações, ou podemos chamá-las de degradações de mistura racial, que vão do mestiço adiante. As linhas de cor não foram definidas entre essas duas raças. Mas tem-se, ao menos, uma raça intermediária. Os mulatos ou pessoas morenas. A presença do mulato nestas colônias e no Brasil, como grupo intermediário, e os mestiços nas colônias espanholas com grande população indígena é algo que acho que as distingue dos EUA com este sistema básico de duas categorias, onde ou se é branco ou se é negro.

A América do Sul é muito complexa e fascinante. É diferente mas não necessariamente melhor. É fácil ser enganado pelo sistema porque lá se vê negros e brancos misturados entre os pobres, mas isso não ocorre nos EUA. Porque o que os EUA fizeram com a “Lei da Única Gota” foi encorajar um sentido de solidariedade entre os brancos como forma de separá-los dos negros. E a razão pela qual nunca houve solidariedade entre a classe operária na América, foi pela “Lei da Única Gota”, e o sistema binário de raças foi uma ferramenta poderosa para dividir as classes operárias e os brancos dos negros. E quando mais nos aprofundamos no sistema, quanto mais economicamente vulnerável e marginalizada a pessoa branca é, mais tende a ser racista porque é a única forma de ela ter algum status. Ela pensa: “Pelo menos não sou negro”. Assim, o branco pobre e o negro pobre são totalmente contrários um ao outro. Torna-se um perfeito sistema de divisão. A sociedade de latino americana é bem mais racista nas classes altas do que a dos EUA.

Veja os vídeos completos em: A História do Racismo

Os chefes militares brasileiros são completamente brancos. A elite política brasileira foi, até recentemente, completamente branca. Nos EUA, quanto mais elevado se observa, por causa das leis dos Direitos Civis e etc, mais integrada é a população. E a elite política americana está completamente integrada. A Secretária de Estado é negra, o grupo de líderes negros no Congresso é muito poderoso. A razão provável para isso foi a forma pela qual os afro-americanos pegaram a “Lei da Única Gota” e a usaram para seus próprios fins, para mobilização e solidariedade. Enquanto o Brasil manteve a democracia racial, significando que o homem branco se deita com mulheres negras sem se sentir culpado, gerando crianças mestiças de grande beleza. Mas o sistema permanece perversamente desigual. O Brasil é a sociedade mais desigual do mundo ocidental. E os negros estão completamente no fundo da base. É um sistema pernicioso. É um Apartheid sem as leis do Apartheid. E no topo é absolutamente racista. Se as democracias contemporâneas podem ser chamadas de racistas, então não deveria surpreender que há mais de 200 anos, uma experiência democrática precoce na Serra Leoa tenha falhado.

Freetown se tornou o lar dos negros legalistas, ex-escravos que conquistaram a liberdade ao lutar ao lado dos britânicos na guerra de independência americana. Mas a sua liberdade se mostrou bastante limitada, devido às ordens dos seus antigos donos britânicos. Até certo ponto o que é interessante em Serra Leoa é a forma como toda esta história é acidental. As pessoas se tornaram refugiadas, pois tinham se tornado britânicas ao cruzarem as linhas de combate durante a Revolução Americana para lutar pelos britânicos. Em 1775, o governador britânico da Virgínia disse que: “Se os negros, que eram escravos, cruzassem as linhas de combate, “deixassem as plantações e os americanos “e lutassem pelos britânicos, ganhariam a liberdade.” Mas os britânicos não estavam muito comprometidos, Durante a Revolução Americana, com a igualdade racial nem emancipação. Foi uma jogada militar estratégica. Quando esta colônia foi fundada em 1787, era para ser livre , mas por inúmeras razões não foi assim que funcionou. Os problemas com os habitantes coloniais ficaram em primeiro plano com a chegada dos colonos da Nova Escócia, que eram negros que auxiliaram os britânicos durante a guerra de independência americana e tinham como promessa uma terra na Nova Escócia.Eram chamados os legalistas negros. Muitas das promessas dos britânicos não foram cumpridas.

A tragédia da Serra Leoa em 1790 é a dificuldade, a impossibilidade, eu acho, dos brancos deixarem os negros administrarem a colônia. Ela era constantemente comandada ou supervisionada por brancos, e os negros não pensaram que as coisas seriam assim. Eles imaginavam que iriam ter muito mais poder e autoridade. Não seriam meros policiais, iriam governar e isso não ocorreu. Os colonos da Nova Escócia que chegaram aqui tinham todos os recursos para se autogovernarem como um povo independente. Tinham pastores e políticos negros que os tinham mobilizado no Canadá para virem à Serra Leoa. Por isso tinham o recurso humano para se autogovernarem como um povo livre e independente. Há uma visão que surge ao mesmo tempo e alimenta o abolicionismo, para afirmar que todos aqueles que não são europeus ou de descendência europeia são historicamente imaturos em contraste com aqueles que são europeus ou colonos europeus.

Os europeus consideram como se tivessem a obrigação, o fardo de civilizar. Algo que ainda nos acompanha hoje. Como vemos em relação à invasão do Iraque por exemplo. Iremos ensiná-los a se governar, porque ainda não foram capazes de se autogovernar. Foi mesmo uma grande oportunidade perdida, porque se tivessem dado a essas pessoas a oportunidade para se autogovernarem, é possível que talvez, Serra Leoa não tivesse sido literalmente colonizada. E Serra Leoa poderia ter sido o primeiro país africano negro a se libertar do domínio colonial.

Creio que há muitos fatos em minha vida que não se passaram com muitas pessoas. Olaudah Equiano cujo primeiro nome escravo foi Gustavus Vassa obtém a sua liberdade em Londres e vira uma figura essencial no movimento abolicionista. Sua autobiografia realmente se torna o documento político transformador para o movimento abolicionista. Olaudah Equiano é um dos grandes abolicionistas que ficaram legados à margem da história. Enquanto William Wilberforce é retratado como o grande herói que aboliu a escravidão. Contudo, não importa que grande abolicionista se escolha, encontraremos forças ainda maiores por trás deles.
Do cristianismo radical dos quackers aos operários, formando o que seria o sindicalismo. Outra coisa sobre Equiano. Foi ele quem uniu os artesãos da Sociedade Londrina de Correspondência. Em 1792, ele os reuniu aos trabalhadores do aço, aos mineiros de carvão e aos operários das fábricas de Sheffield. E é esta união do proletariado industrial e dos artesãos de Londres que os historiadores comumente veem como o início da classe operária inglesa como um todo. Mas foi Olaudah Equiano que os reuniu. O período em que se vê mais solidariedade entre os africanos escravizados e a classe operária branca, ao menos na Grã-Bretanha, foi nos primeiros anos do movimento abolicionista. Iniciando em 1780 quando milhares de britânicos assinaram petições dirigidas ao Parlamento contra o comércio de escravos. E surpreendentemente muitas dessas petições vinham de operários. Havia 769 metalúrgicos em Sheffield que assinaram uma petição memorável dirigida ao Parlament o que dizia: “Deviam esperar que fôssemos favoráveis ao comércio escravo “porque vendemos muitos dos artigos que fabricamos “aos capitães dos navios negreiros que os usam como mercadoria “de troca por escravos na África, mas queremos expressar “nossa solidariedade com os nossos irmãos africanos “e sabemos que eles não desejam ser escravos.” É um movimento muito lento, uma espécie de descolamento das placas tectônicas da vida ocidental, no final no século XVIII. E esse descolamento é a escrita do Iluminismo que mudaria as visões teológicas. Mas essas pequenas mudanças tectônicas produziram enormes mudanças na superfície. E uma das coisas que fizeram foi questionar a própria existência do comércio escravo e da escravidão. O fato decisivo que afetou toda a cultura na época e foi a primeira revolta de escravos bem sucedida na história humana e o primeiro rompimento com os poderes imperiais europeus, foi a guerra pela independência do Haiti que começou em agosto de 1791. Uma ilha originalmente colonizada por espanhóis que efetivamente abandona a parte ocidental da ilha ocupada pelos franceses e acaba criando sua própria colônia, chamada Santo Domingo. Devo lembrar que esta era a colônia mais bem sucedida das Américas. Hoje pensamos nela como a nação mais pobre das Américas, ela sempre é falada nestes termos. Naquela época, ela era a colônia mais rica das Américas. A produtividade era enorme. Por isso todos os impérios nas Américas estavam de olho nela. Adorariam poder controlar aquele setor da economia. O início da revolução ocorreu na planície norte de Santo Domingo, que era uma zona altamente industrializada, na qual havia enormes plantações de açúcar. Foi aí que a revolução começou e acho importante também lembrar que essas plantações, que ficavam em um dos locais mais industrializados do mundo à época, em termos de combinação da agricultura e da produção, geraram esta rev olução. Ela surgiu destas plantações.

No primeiro estágio da revolução de 1791, os escravos assumiram essencialmente o controle das plantações e transformaram essas ricas plantações em acampamentos. Uma das coisas mais interessantes que os grupos africanos sugeriram sobre a revolução era que uma das razões para o sucesso foi o fato de haver muitos homens que tinham sido soldados na África. Tinham sido escravizados após participarem de guerras na África. E eles levaram sua experiência militar para Santo Domingo.
Em 1793, a Grã-Bretanha e a França entraram em guerra. E a Grã-Bretanha viu a chance de matar 2 coelhos com uma só cajadada. De se apoderar deste território rico, longe da França, sua inimiga, e oprimir a revolta dos escravos antes que se espalhasse para a Jamaica, que ficava muito próximo. Uma enorme força britânica se dirigiu para Santo Domingo e durante 5 anos lutou contra os escravos rebeldes, que estavam sob a liderança de Toussaint L’Ouverture, o grande líder haitiano, e perderam. A tentativa de reprimir aquela revolta, envolveu centenas de milhares de jovens e homens ingleses que foram enviados para o Haiti. E ali, eles encontrariam do outro lado da baioneta, do machete, a indignação histórica dos escravos lutando pela liberdade. E foi um enorme trauma para o povo inglês. Foi um caso em que um exército de escravos rebeldes derrotou o exército da superpotência mundial, que também era a maior nação de comércio escravo. E foi um grande choque.

O mesmo pode ser dito dos franceses, que mais tarde foram derrotados pelas mesmas tropas quando tentaram restaurar a escravidão. A derrota britânica foi um presságio da derrota das tropas de Napoleão que ocorreria poucos anos depois. Para muitos pensadores esta revolução parecia impensável. A ideia de que isto estava acontecendo. A ideia de que os escravos se tornariam generais e líderes de uma revolução e que derrotariam esses exércitos era difícil de encaixar no acreditavam e no que viam. Claro que muita gente pensou nisso e o trouxe para sua realidade. Mas acho que isso desafiou à época e continua a desafiar a noção sobre onde e como é feita a história e quem são os atores principais. Este foi um momento marcante na história, não apenas das Américas, politicamente, mas na ascensão do sentimento democrático da filosofia, do pensar sobre os direitos. Não apenas um desafio para as ideias racistas, que compele pessoas para as marchas da história ao invés de colocá-las no centro, como também repensar narrativas mais amplas sobre a história ocidental.

O interessante sobre a Revolução Haitiana é que é a única revolução com a única Constituição que proíbe a escravidão e proíbe a discriminação com base na raça. Isso é histórico. Não está na Declaração de Direitos americana. Não está presente na Constituição consuetudinária imperial britânica. Mas é parte da história de oposição ao racismo que provém dos próprios escravos, e não dos chamados esforços humanitários do movimento abolicionista que não teria sido bem sucedido a menos que os próprios escravos não tornassem a escravidão instável. O preço que pagaram foi terrível. Porque houve um boicote internacional ao Haiti e no fim tiveram de pagar indenizações. Não foram indenizações pagas aos escravos. Pagaram indenizações aos franceses pelas propriedades expropriadas. E uma das razões pelas quais o Haiti é hoje o país mais pobre do hemisfério norte tem origem nisto, na realização deste feito histórico espantoso. Ali e stava a única revolução escrava bem sucedida da história. E disseram: “Vamos nos assegurar que seu exemplo contagioso “não chegue aos EUA, não chegue à América Latina. Vamos isolá-los. “Vamos pô-los em quarentena. Vamos fazê-los pagar.” A escravidão só foi abolida nas ilhas britânicas em 1833. De fato ainda havia africanos sendo levados através do Atlântico para Cuba e o Brasil, ilegalmente mais de um milhão. E a escravidão só termina na América com a Guerra Civil. E em Cuba e no Brasil só acaba em 1888. É a triste verdade de muitas situações semelhantes a esta, onde há uma grande mudança no papel. Uma grande mudança no papel não altera as condições materiais de vida das pessoas. Pois o que houve foi que os escravos britânicos tornaram-se oficialmente livres em 1 de agosto de 1838. Mas, para quase todos eles, não havia trabalho à vista, além de continuar a cortar cana de açúcar. E agora, repentinamente, eles tinham de pagar aluguel para os plantadores pelas cabanas miseráveis em que viviam e impostos ao governo. E havia outras estratégias utilizadas para evitar que escravos tivessem acesso a terra, às cidades, às profissões e por aí adiante. Existia todo tipo de estratégias atreladas a uma ampla ordem racial, que também ostentava um certo tipo de subordinação sem a escravidão. Muitos dos abolicionistas podiam ver que era injusto e cruel perpetuar um sistema onde as pessoas eram escravizadas e degradadas, mas isso não significava necessariamente que vissem essas pessoas escravizadas e degradadascomo pessoas tão civilizadas quanto eles. Havia uma separação. E essa separação devia ser marcada e tinha de se atribuir significado, porque historicamente pensamos com frequência que o abolicionismo foi como um movimento antirracista. Ele não foi um movimento antirracista.

A Grã-Bretanha saiu da escravidão para um império colonial mais profundo e vasto. Creio que é importante os britânicos tentarem moderar a visão que têm de si próprios e sobre o seu passado com a percepção de que sua história não são apenas fanfarras, não são apenas glórias, mas que há uma mancha obscura, um lado obscuro, do qual não dá para se vangloriar.

Em 1740, a Grã-Bretanha dominava os mares, mas em 1740, os britânicos transportavam 40 mil africanos por ano através do Atlântico. “Nunca serão escravos. Os britânicos nunca serão escravos.” Claro que o fim da escravidão abriu todo tipo de possibilidades de contestação que antes não havia. Por isso creio que a mudança foi crucial e os ex-escravos mobilizaram instituições políticas, legais e religiosas e foram capazes de avançar. Mas é notório que, de certa forma, a luta para acabar ou apagar completamente os feitos e legados da escravidão ainda continua

Fonte: BBC

Disponível em:  http://www.geledes.org.br/esquecer-jamais/179-esquecer-jamais/17179-a-historia-do-racismo-documentario
Acesso  em:  29/07/2013

Creches e Pré-Escolas em São Paulo

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By Fulvia Rosemberg

Tinta e três anos depois do lançamento do Movimento de Luta por Creches, em SP, a reivindicação está (novamente? ainda?) na ordem do dia. Percorrer este roteiro histórico-sentimental pelas creches e Pré-escolas da cidade de São Paulo(2000), sob o traçado da Fúlvia Rosemberg nos ajuda não só a recuperar a história, como a rever – e talvez atualizar – as reivindicações e especificidades então levantadas. Um roteiro histórico-sentimental pelas creches e Pré-escolas da cidade de São Paulo(2000) – Fulvia Rosemberg – FCC e PUC-SP

Alegrias e tristezas, generosidade e desperdício, inovação e conservadorismo, direito e injustiça são pares de atributos que associo ao atendimento de crianças pequenas em creches e pré-escolas na cidade de São Paulo. História que conheço bem, que faz parte de minha vida pessoal, militante e profissional desde 1974, grande parte dela compartilhada com Maria Malta Campos, companheira de trabalho e de luta por creches que respeitem os direitos das crianças (Campos & Rosemberg, 1994). Ocupei vários lugares e desempenhei diferentes papéis nesta história: mãe do André, meu primeiro filho, que começou a freqüentar o Garatuja em 1975, que se autodenominava berçário porque a palavra creche sempre foi reservada a equipamentos para crianças pobres; pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, juntamente com Maria Malta Campos e outros pesquisadores associados, realizando estudos, assessorias e projetos, vídeos sobre as creches paulistanas. Militante feminista nos anos 80, participando da luta por creches, junto aos movimentos de bairro, sindicatos, associações da sociedade civil. Briguenta, como me disse dona Luci Montoro, após um debate aguerrido na TV Cultura em que enfrentava Marta Godinho, então Secretaria da Promoção Social do Município na administração Covas, que planejava implantar o modelo de creche domiciliar. Tenho um rico acervo de imagens: fotografei, gravei em vídeo ou na memória. Observei, escutei pessoas, procurei ansiosamente com Silvia Cavasin o caminho de creches construídas em pirambeira na periferia do município, acalentei o sonho da criação de um sindicato de auxiliares de desenvolvimento infantil (ADI), as antigas pajens e atuais professoras. Evoco a náusea provocada pelo odor de creches muito pobres, uma mistura de leite azedo e fralda suja (pode-se apostar na qualidade da creche pelo cheiro), e o reconforto do cheiro de arroz/feijão bem feito na hora do almoço. Vi crianças alegres, vivas e dispostas, como aquele menino, numa creche municipal, dançando “Fuscão Preto”, que tocava no rádio portátil de uma ADI.

Tenho, também, imagens de uma tristeza intensa, metáfora de desolação: a mãe de uma colega de minha filha Júlia, no Garatuja, ao final do dia esperando com paciência infinda a filha que se recusava a sair da creche; a do menino, negro, por volta dos três anos de idade, que passara o dia na creche com os pés do sapato trocado. Sempre pensei compartilhar este conhecimento cotidiano, organizar um “creche tour” para candidatos a cargo público (especialmente prefeitos) que propõem barbaridades como solução a baixo custo para as creches: construí-las no metrô, como propôs Jânio Quadros; ou empregar – isto é, como trabalho voluntário, penso eu – adolescentes internas da FEBEM como educadoras de creche; ou achar que creche domiciliar, ou mãe crecheira, é a solução para acabar com a pobreza brasileira, ou ainda que um per capita anual U$100 é suficiente para manter criança pequena em creche ou pré-escola (como afirma documento publicado pelo Banco Mundial). Para este aniversário de São Paulo preparei um “creche tour”, mas diferente.

Pedi auxílio a colegas, que conhecem bem as creches da cidade, e que publicaram textos, que funcionassem como guias deste “creche tour” que organizei pela história de São Paulo.

O ponto de partida é a Praça da República, tendo como guia Moysés Kuhlmann Jr. (1994). De costas para a estação do metro tem-se uma bela visão do prédio da Secretaria Estadual da Educação, aliás Caetano de Campos, a Escola da Praça. Hoje, como em 1994 apenas nas fotos é que podemos ver o prédio do Jardim da Infância, pois ele não está mais lá. Foi demolido no início da década de 1940, na gestão do Prefeito Prestes Maia, para dar lugar à Avenida São Luís. Triste lógica de alguns administradores municipais, que no afã de realizarem grandes obras, não hesitam em passar por cima dos símbolos históricos e culturais. No estudo de um Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo, elaborado por Prestes Maia em 1930, então engenheiro da Secretaria de Viação e Obras, nem se falava na existência e demolição do prédio do Jardim de Infância: lá se previa a derrubada de toda a Escola Normal, para em seu lugar construir outro edifício, onde funcionaria a Câmara dos Deputados, obra monumental, encimada por um capitólio, no estilo americano. A Escola permaneceu, mas o Jardim não teve a mesma sorte. Aliás, Prestes Maia não parecia muito simpatizante com a educação infantil: em sua gestão, diminuiu-se o ritmo de construção dos parques infantis (criado pelo Prefeito anterior, Fabio Prado) para apenas três dos quarenta e seis previstos.

1894. Inaugurava-se o edifico da Escola Normal Caetano de Campos. O prédio do Jardim ainda não estava lá. Mas fazia parte da proposta educacional do Partido Republicano Paulista – PRP, do projeto da Escola Normal (Decreto nº 27, de 12/3/1880) e dos planos de Gabriel Prestes, filiado ao PRP desde 1890, tendo sido eleito em 1891. Dois anos depois, o projeto foi concretizado no Decreto nº 342 (2/3/1896), assinado por Bernardino de Campos. Presidente do Estado (governador), e por Alfredo Pujol, Secretário do Interior, e que dizia em seu parágrafo único: “Fica criado um Jardim de Infância junto à Escola Normal da capital, como preparo à Escola Modelo: revogadas as disposições em contrário.” A inauguração do Jardim aconteceu no dia 18 de maio de 1896, ainda em caráter provisório, em antigo prédio na Avenida Ipiranga, até a conclusão do novo edifício, mandado construir por Bernardino de Campos e concluído logo no ano seguinte. O novo prédio, aos fundos e completamente isolado do resto da Escola Normal, era cercado de um vasto jardim. Davam acesso a ele duas escadas em fraca rampa com pequenos degraus, assim construídas para que as crianças não caíssem ao subi-las. Compunha-se de quatro salas de aula, um grande salão em  forma octogonal para reuniões gerais e solenidades infantis, de 15m X 15m, onde foram pintados a óleo, entre outros, os retratos de Froebel, Pestalozzi, Rousseau e Mme. Carpentier. O salão era coberto por uma cúpula metálica, abaixo da qual havia uma galeria sustentada por colunas de ferro, destinada ao público por ocasião das festas. Havia mais duas alas anexas ao corpo do edifício, uma para depósito do material, outra para reunião das professoras, perfazendo uma área de 940m2. Dos lados e no meio do jardim erguiam-se dois pavilhões para recreio das crianças. (…)

Desde a primeira turma de crianças e por um longo período, o caráter de instituição modelo pública irá atrair as “melhores famílias” paulistas. A cúpula do PRP foi um dos setores presentes na primeira turma. Bernardino de Campos – que foi presidente do Estado por duas vezes (1892-1896 e 1902-1904) membro da comissão Executiva do partido, por várias vezes, entre 1892 e 1914 – matriculou dois filhos. Havia também dois filhos de Julio de Mesquita, advogado que foi deputado estadual, proprietário do jornal O Estado de S. Paulo e membro da Comissão Executiva do PRP, em 1892-94 e 1896 (Julio de Mesquita Filho, após cursar o Jardim de Infância e o primário no Caetano de Campos, continuou seus estudos em Portugal e na Suíça). Francisco de Assis Peixoto Gomide, que veio a ser membro da Comissão Executiva do PRP em 1903, matriculou um filho. Vários representantes da elite paulistana também estavam presentes, como por exemplo Ignácio Pereira da Rocha, Barão de Bocaina, Emílio Ribas, José Cardoso de Almeida. Durante muito tempo, o Jardim contou com esse tipo de clientela, tendo entre seus alunos: Guiomar Novaes (1897-1900); Theodoro Sampaio Filho, Maria R. Matarazzo, Francisco Matarazzo, Cincinato C. Braga, Mário de Andrade, Cecília Meireles, Maria da Glória Capote Valente, Euzebio Queiroz Mattoso filho (1901-1910); André Franco Montoro, Ruth Monteiro Lobato, Palmyra Carvalho Pinto, Fausto Eiras Garcia, Marina Mesquita, Ricardo Capote Valente (1921-1930); Nelson Amaral Gurgel;, Paulo Eiró Gonçalves, Julio Cerqueira Cesar Netto, Luciano Gomes Cardim, Paulo Sergio Milliet da Costa e Silva, Renato consorte, Lucia Ulhoa Cintra, Maria de Lourdes Abreu Sodré, Maria Helena Gomes Cardim (1931-1940).

Como escola-modelo, a Caetano de Campos acabava por reservar o privilégio de seu espaço e materiais à elite. Mesmo sem um estudo da demanda de vagas e da distribuição sócio-econômica dos alunos, é de supor que aquela elite deve Ter sido favorecida nas matrículas. Por outro lado, observa-se a escola pública sendo capaz de atrair esses setores sociais, o que dificilmente aconteceria nos dias atuais (Kuhlmann Jr, 1994, p. 62-65). Não mais que 5’a pé, caminhando pela rua Vieira de Carvalho, chega-se no Largo do Arouche. Tizuko Morchida Kishimoto (1988) nos aguarda, para visitarmos a Associação Feminina Beneficiente Instructiva e sua fundadora a educadora espírita Anália Emília Franco, de certa forma, uma militante da luta por creche, em 1901. A espírita Anália Emília Franco foi a primeira educadora a utilizar termos como creches e escolas maternais para denominar suas instituições destinadas à infância. Apesar da grande semelhança de seus estabelecimentos com os asilos infantis ou orfanatos, alguns fatores de ordem pedagógica já permitem uma certa diferenciação dessas organizações. O que teria levado essa professora primária, espírita, formada  pela Escola Normal, a iniciar um trabalho assistencial? Segundo o jornal espírita “Unificação” (n. 178, 1969, p.1), Anália era muito sensível às condições socioculturais do fim do Império, especialmente a eventos como a decretação da Lei do Ventre Livre, que transformou os nascituros em escravos de predestinados à roda da Misericórdia. Foram essas as principais razões que justificaram os empreendimentos em benefício da infância. Ao perceber que os pequenos negrinhos expulsos das fazendas já mendigavam perambulando pelas ruas, imediatamente troca seu cargo na Capital paulista por outro, no Interior, a fim de socorrer as criancinhas necessitadas. Num bairro de uma cidade do Norte de São Paulo, instala, em imóvel alugado, a primeira “Casa Maternal”, amparando todas as criancinhas trazidas à sua porta ou encontradas as moitas e estradas. A casa seria cedida gratuitamente, se Anália respeitasse a condição exigida pela proprietária de não misturar crianças brancas com negras. A condição é repelida, a Anália paga um aluguel. Ao ver sua fazenda transformada em albergue de negrinhos, a proprietária do imóvel usa de seu prestígio e consegue a remoção da professora. Anália dirige-se, então, para a cidade onde aluga uma velha casa, pagando de seu próprio bolso e anuncia em folha local a existência do abrigo. Por ser insuficiente o restante de seu salário para as despesas da alimentação, ia com as crianças pedir esmolas.

O comportamento insólito para a época, de uma professora espírita proteger negros, filhos de escravos, pedir esmolas pelas ruas em pleno regime monarquista, católico e escravocrata, gera um clima de antipatia e rejeição entre os moradores da região ante a figura daquela mulher considerada perigosa, e seu afastamento da cidade já é cogitado, quando surge um grupo de abolicionistas e republicanos a seu favor. Passados alguns anos, Anália deixa algumas escolas maternais no Interior para radicar-se em São Paulo e associar-se ao Partido Republicano. Após a abolição da escravatura e o advento da República, a educadora já tinha dois grandes colégios gratuitos para meninos e meninas e, em 17 de novembro de 1901, juntamente com um grupo de 20 pessoas, funda a Associação Feminina Beneficiente e Instructiva, com sede no Largo do Arouche, em São Paulo, entidade responsável pela organização de uma multiplicidade de escolas maternais e creches. (…) Mantida à custa de donativos, a Associação tem entre seus benfeitores grupos maçônicos, como a Loja maçônica “Comercio e Sciêcias”, a Ben. Loja “Sete de Setembro” e o Grande Oriente de São Paulo, assim como o manifesto apoio de republicanos como o senador Egydio, o presidente Bernardino de Campos e outros, considerados pelos católicos como “livres-pensadores”, favoráveis ao ensino leigo. (…) A ausência de proteção à mãe pobre e à criança é a mola propulsora que leva Anália à criação de creches, asilos e escolas maternais. A subsistência financeira da instituição é garantida pelas taxas de sócios, donativos de simpatizantes, pequenas subvenções estaduais e municipais, renda proveniente da venda de livros de Anália, de produtos oficinas de costura , flores e chapéu, ingressos de teatros infantis e outros. (…) A obras assistencias de Anália atendem dois níveis: a educação infantil e a profissionalização das mães e órfãos de maior idade. Dentro da primeira categoria, encontram-se as creches e escolas maternais destinadas às crianças entre 2 e 8 anos, e o segundo nível é representado pelo asilo, que recebe mulheres pobres, com ou sem filhos, proporcionando-lhes formação profissional.

Em 1905 (Relatório, p.8), consta a matrícula  de 28 senhoras e 109 órfãos de ambos os sexos, na seção de asilo e creche. Esta alta percentagem de órfãos nas instituições de Anália demostra a especificidade das primeiras creches e escolas maternais como estabelecimentos de proteção à orfandade, e não propriamente como instituições de ampara a filhos de operários. Em outros termos, as primeiras creches e escolas maternais instaladas em São Paulo aproximam-se aos asilos infantis ou orfanatos, divergindo de suas congêneres européias destinadas a amparar a prole dos trabalhadores. Certamente, o baixo nível de industrialização que caracteriza os primórdios da República, aliado à concepção patriarcal da instituição familiar que impede o trabalho da mulher fora do lar, não mobiliza a mão-de-obra feminina, e consequentemente, não cria demandas para justificar o aparecimento de instituições para amparar rebentos do operariado. Esse fato justifica o funcionamento das creches de Anália como internato de crianças órfãs com  a oferta de casa, comida e alguma assistência educativa. Para os poucos filhos de operários, como as jornaleiras, a educadora dispõe de albergue diurno que funciona todos os dias, inclusive aos domingos feriados (Kishimoto, 1988, p. 52-55).

Observe, caro visitante, o quanto São Paulo pode ser conservadora. Os “negrinhos” continuam confinados em certo tipo de creche. Eliane de Oliveira (1996) informa que eram negras 52% das crianças freqüentando as creches municipais (diretas) de São Paulo em 1995. Nos dias atuais, estas creches seriam chamadas de particulares conveniadas. Em janeiro de 2000, a Prefeitura Municipal convenia 456 creches, que atendem a 53358 crianças pagando um per capita mensal que varia de R$105,00 a R$145,00. O trajeto agora é um pouco mais longo. Recomendo tomar o metrô e saltar na estação do Brás. Ali, solicitar os serviços da guia Eva Blay (1985) que virá mostrar-lhe a Vila Maria Zélia, construída para seus operários pelo empresário Jorge Street na década de 1910, então proprietário da Cia. Nacional de Tecidos de Juta e da Fábrica Santana. Ali foram criadas as primeiras creches e escolas maternais “destinadas ao filho da trabalhadora”. Não se pode falar em vilas operárias, em São Paulo, sem uma obrigatória referência à Vila Maria Zélia. Ela constitui, para os interessados no tema, documento fundamental de uma época e de uma forma de ocupação do espaço urbano. Apesar disso ela é a representante única de modelo que não se reproduziu. A Vila Maria Zélia tem um grande interesse urbanístico, à medida que concretiza uma das possíveis formas da habitação operária produzida pelo capital. Ela se situa num bairro operário, o Belenzinho, num entroncamento entre o Brás, o Belém e a Penha. Ou, se quisermos usar as denominações habituais, fica perto da Moóca, da Vila Maria baixa e do Tatuapé. Como chegar a Vila Maria Zélia? Há dois caminhos para isso. O primeiro deles, que nos vem à mente com muita força, resulta da visão que temos da circulação pelo espaço de São Paulo, anterior à década de 70, isto é, anterior às transformações criadas pelas marginais e elevados. Até então se chegava a Vila Maria Zélia partindo do Centro, ou seja, da Praça da Sé, tomando-se um bonde ou um ônibus que descesse a Avenida Rangel Pestana, depois a Celso Garcia. A altura do nº 1365  desta avenida, à esquerda, está a Rua Catumbi. Por esse caminho altamente congestionado como sempre, seguem ônibus, carros e até o fim da década de 50, os bondes que se dirigiam para o Brás, o Belém, o Belenzinho, a Penha, a Vila Maria e toadas as adjacências. Trata-se de uma avenida ocupada pelo comércio varejista e por fábricas. As transversais são ruas famosas na história e na literatura de São Paulo: Caetano Pinto, Piratininga, Gomes Cardim, Cavalheiro, Brigadeiro Machado, Maria Marcolina, Bresser, o Largo da Concórdia, a Catumbi e inúmeras outras. No caminho encontrávamos, até os anos 60, a “malfadada” porteira do Brás, junto à Estação do Norte, hoje substituída por um viaduto. Naquela porteira, por mais de 40 anos, os moradores trabalhadores destes bairros perdiam longas horas no trânsito, esperando que os trens passassem. Ao longo da avenida há várias escolas públicas, como o Grupo Escolar Romão Puigari, a Padré José de Anchieta. Mais adiante, já na Celso Garcia, está ainda hoje o “Juizado de Menores”, como é conhecida a FEBEM.

A intensa atividade econômica desta região, mais o ritmo de vida dos moradores-trabalhadores, de origem italiana, no passado e nordestina, depois dos anos 60, torna esta zona da cidade barulhenta cinzenta e cheia da fumaça das chaminés, ativas desde o começo do século. Saindo da Avenida Celso Garcia e entrando na rua Catumbi o movimento parece ser ainda mais intenso, pois esta é uma rua estreita e muito procurado pelo trânsito pesado dos caminhões. Logo à direita, está uma pequena rua, a dos Prazeres, de menor movimento, mas repleta de fábricas, percebidas pelos longos muros de tijolo vermelho ou de cimento cinza, intercaladas de pequenas vilas. E, após um grande edifício fabril ocupado pela Good-Year, encontramos um vasto portão de ferro, com uma guarita e um porteiro que não interrompe os transeuntes, e entramos num calmo, espantosamente calmo, jardim. Nele há um pequeno lago, bancos de cimento, árvores, passarinhos e pessoas sentadas conversando. Estamos na Vila Maria Zélia. Depois da implantação das marginais, podemos chegar à Vila Maria Zélia por um outro caminho. Este esconde a cidade. Percorrendo-se a marginal esquerda do rio Tietê em direção à Zona Leste, ao chegar à Ponte Vila Maria, entra-se à direita e rapidamente se chega a uma rua paralela à Rua Catumbi. E estamos, também, por esse rápido e movimentadíssimo caminho, na mesma calma Vila Maria Zélia. Atualmente a Maria Zélia, como é chamada, tem além do já descrito jardim, 5 ruas perpendiculares à Rua dos Prazeres e 4 ruas transversais; 178 residências estão distribuídas por essas 9 ruas. Há ainda o Grupo Escolar Maria Zélia (em reforma na época da pesquisa), e o Colégio Manuel da Nobrega, em cujo frontispício se lê “Escola de Meninos” e que fica em frente ao Grupo Escolar, antiga “Escola de Meninas”. Há uma igreja católica, um armazém, um depósito de material, um bar, um apequena oficina de calçados desativada e um escritório de administração da vila. Na época de sua fundação (1916-17), ela possuía também um posto médico, dentário, uma creche, um teatro e um clube recreativo.

Eva Blay (1985, p. 229) nos guiará até a Rua Quatro, para visitarmos Dona Deolinda, que mora na Vila Maria Zélia desde 1918. Seus pais, imigrantes portugueses, foram trabalhadores na Fábrica Maria Zélia. Tenho duas irmãs. Sou a mais velha. Eu fui criada no grupo. Minha irmã no jardim da infância e a outra na creche, porque a minha irmã mais nova nasceu aqui. A mãe acabava a dieta e a criança já podia estar na creche. Ficava o dia inteiro. A mãe só vinha para amamentar. Minha mãe vinha três ou quatro vezes dar de mamar, as outras também vinham. Trabalhava oito horas. E se que quisesse fazer hora extra fazia, mas ganhar ganhava a mesma coisa; era mensal. Não era por produção. Jardim da infância era de quarenta dias até quatro, cinco, seis anos. Depois ia pra escola. No jardim era como o pré, faziam desenho, brincava. Almoçava, tomava banho. Tinha médico, o Dr. Proença, o Dr. Chaves, Dr. Jorge Street e Drª Maria Zélia também era doutora. Quem tratava das crianças eram as irmãs. O Dr. Jorge dava a alimentação. Aqui tinha freiras e professoras. Tinha muitos médicos para os funcionários da fábrica. Pelos médicos o operário não pagava nada. Dos médicos um morava aqui nesta casa grande, o Dr. Proença. O Dr. Chaves era mais idoso, morou fora. Aqui também morou o Scarpa. O filho dele é o dono  da fábrica Caracu. Ele morou também naquela casa. O Jorge Street morava na Avenida Paulista. Eram os donos da fábrica, moravam prá lá. Vinham só de visita. O Scarpa quando morou aqui era Diretor. A Maria Zélia ficou aqui até 1922. Ele foi a falência. Daí ficou com o Scarpa. Até quando eu não sei. Dona Deolinda organizou um belo álbum de fotografias e se dispõe a mostrá-lo. Aqui a Vila ia até a Avenida Celso Garcia. A Good-Year comprou um pedaço. Desmanchou a Rua Um, toda a creche e o jardim de infância. Tinha e tem a igreja. Veja aqui as fotos do álbum: estas crianças são Filhas de Maria, são da Cruzada; aqui era o armazém, se comprava e descontava no pagamento. Não tinha dono, o armazém era da firma. As vezes depois do desconto, sobrava um pouco. Médico e remédio não pagava. Nem escola, nem creche, nem dentista. Aqui era a sede do clube. Faziam festa, baile, vinham dançar. Tinha um bar (tem até hoje). Uma família não podia dar festa, não alugava, era só para dar festa para mocidade que trabalhava na fábrica. Se casava não tinha festa, não. Baile tinha nos sábados, domingos, num dia de festa assim. A igreja funcionava e funciona. O padre era o Uchôa, Conde Barros Uchôa. Não sei porque a fábrica tinha tudo isto aqui. Não sei se dava lucro. Só sei que quem é bom dura pouco (Dona Deolinda, apud Blay, 1985, p. 219-231).

O que é bom dura pouco mesmo! São raríssimas e desconhecidas as creches ou berçários de empresas paulistanas, contemporâneas, apesar da Constituição de 1988 ter reconhecido este direito aos filhos pequenos (até os 6 anos) de pais e mães trabalhadores. Conheci de perto o berçário das “Linhas Corrente” que ficava no Ipiranga. Nos tempos que correm, parece perjúrio mencionarem-se direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras! Pouco se cumpriu, na cidade, o direito à amamentação regulamentado pela CLT de 1943. As empresas, para efeitos de cumprimento legal, alugavam “vagas” (ou berços) em creches conveniadas, muitas distantes do local de trabalho das mulheres. Vagas fantasmas, como se dizia nos anos 80. Já que feito Macunaíma saltamos do Belenzinho para o Ipiranga, sugiro acompanhar Mário de Andrade na criação de Parques Infantis, desta feita tendo como guia Ana Lúcia Goulart de Faria (1999). No Ipiranga foi criado um dos primeiros Parques Infantis (PI) paulistanos, na década de 1930. “… na ocasião em que Mario de Andrade (MA) era diretor do Departamento de Cultura (DC) do município, durante a gestão do Prefeito Fábio Prado, foram criados os primeiros parques infantis (PI) para crianças de 3 a 12 anos. Somente em 1975, os PIs, que já tinham passado a receber apenas as crianças de 3 a 7 anos, transformaram-se nas atuais Escolas Municipais de Educação Infantil – EMEIS.
(…) uma obra sem similar na América do Sul (…) Não são os parques de ginástica de Buenos Aires, muito menos de rincones de Montevidéu (…) Entre esse serviço e o escolar, nenhum traço de conexão. São duas coisas inteiramente independentes. O parque está, assim, aberto para qualquer criança que lhe queira transpor as portas acolhedoras (…) Num amplo salão, realizam-se, de vez em quando, ligeiras sessões artísticas em que se toca, dança, se representa… A um canto, vejo uma Nau Catarineta em miniatura; já serviu a um bailado infantil… Perto, um sapateador expõe a dois ou três  guris os segredos de sua arte… (…) Há guris de 4 anos, meninos de 8 anos, meninas de 10 anos, com maillots próprios da idade… Um algazarra infernal. (Dr. Waldemar de Oliveira, ex-chefe da Higiene Escolar de Recife, escritor e jornalista do Jornal do Comércio daquela cidade, RAM, 1937a:272-3, apud Faria, 1999, p. 126).

Ana Lúcia, analisando a documentação, mostra a grande diversidade de atividades, o espaço cultural que eram os Pis. As legendas das 288 fotos dos PIs, feitas por Benedito Junqueira Duarte entre os anos 1935 e 1938, podem ser um outro bom exemplo das atividades físicas, artísticas e culturais lá desenvolvidas, demonstrando como esses PIs eram diferentes dos demais (o que legitima os elogios recebidos e citados anteriormente): teatrinho; desenho; marcenaria; jardinagem; modelagem; trabalhos manuais (bordados, tapeçaria); exposição do trabalho das crianças, valsa; dança indígena; recorte de gravuras; bailado da Nau Catarineta; leitura, biblioteca; prateleira de livros, reunião da diretoria do clube; eleição – votação e leilão – votantes; aparelhos; carrossel; joguinho – apanhar o lenço; joguinho – corrida com batatas; joguinho – o pulo do canguru; voley-ball; balanço; passo de gigante; escorregadouro; jogo de construção; gangorra; pingue-pongue; tanque de areia; jogos tranqüilos; jogo de dama e jogo de dominós; fila indiana; preparativos para a ginástica ; ginásticas com bastões; corrida; ginástica em roda; rumo ao sol e banho de sol. (Setor de Iconografia do Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura da PMSP, apud Abdanur, 1992, 1992; ver também documentação fotográfica, Departamento de Cultura, 1937). Tamanha profusão de materiais e atividades só encontrei em creches, pré-escolas e jardins da infância norte-americanos.

Em 1985, na comemoração do cinqüentenário da rede de educação infantil municipal da cidade de São Paulo, foram entrevistados vários ex-alunos e ex-professores dos primeiros PIs. Essas entrevistas foram publicadas em um número especial da revista Escola Municipal (da Secretaria Municipal de Educação da PMSP), que integrava as comemorações do evento. Chamo a atenção para a diversidade de atividades desenvolvidas no PI (pelas crianças e pelos adultos), relatadas pelos ex-parqueanos, que agora serão apenas enumeradas: atividades de campo (“tanto que quase não existiam salas”); “o repouso era o que eles mais gostavam”; banho; trabalhos manuais, dobraduras; tecelagem; quebra-cabeças; damas; “eu dividia em grupos, as pequenininhas com uma menina de 11 ou 12 anos que contava histórias, outro grupo jogava bola, enquanto eu dava aula de educação física para os grandes”; lanche, duas vezes ao dia; reuniões semestrais (orientação quanto à programação musical); comemorações cívicas; “dava-se muita música folclórica, cantigas de roda e se fazia muita questão das bandinhas rítmicas”; “anotações nos relatórios que eram passados para o maestro que os citava nominalmente em reuniões”; festas com a comunidade uma vez por mês, “cada mês a festa era em um parque e os outros iam participar”; palestras para as mães; relatórios diários de atividades, “no fim do mês era registrado e feito o balanço – sem o relatório não se recebia”; planos mensais aulas de música; crochê; bordado; ginástica; barra; salto em altura; “A Dona Cida nos examinava, pesava, media o tórax e anotava tudo em fichas”;  cricket; tanque de areia; balanço; piscina; tricô; gangorra; peças de teatro, “depois a gente ia mostrar as peças nos outros parquinhos”; desenhos; biblioteca. (Escola Municipal, 1985:19:29, apud Faria, 1999, p. 142-143).

Nos anos 90, durante um mês fotografei creches e pré-escolas da cidade. Uma grande tristeza: constatei, mais uma vez, a pobreza material dos espaços, a falta de brinquedos e livros até mesmo da onipresente bola de futebol dos meninos brasileiros. Em uma das creches, o único material disponível eram folhas de jornal, que entretinham as crianças pequenas, que permaneciam um bom momento… rasgando e picando papel. Talvez a cidade tenha feito uma longa sesta entre os anos 40 e 50. Talvez nos faltem guias. Talvez, deitada na rede – ou no berço esplêndido – tenha estirado os braços dizendo… ai, que preguiça… de criança pequena.. Florestan Fernandes realizava seus primeiros estudos sociológicos sobre Folclore e mudança social na cidade de São Paulo, parte deles sobre o folclore infantil. Em 1979, nosso guia, José de Souza Martins, publicou uma resenha que trasncrevi no número especial das Cadernos de Pesquisa sobre a infância que organizei como celebração do Ano Internacional da Criança. Quando ainda jovem estudante de ciências sociais na USP, Florestan começou a fazer sistematicamente pesquisas sobre aspectos da infância na cidade de São Paulo. E saiu à procura de crianças e grupos infantis, além de outros informantes, em bairros que eram, então, a periferia da cidade: Bela Vista, Belém, Lapa, Liberdade, Pari, Bom Retiro, Pinheiros, Santa Cecília, Cambuci, Penha, Brás. Florestan fazia assim um retorno ao mundo dos pobres, que ele conhecera tão intimamente e que marca tão fundo algumas das páginas mais belas e significativas que tem escrito. São as crianças pobres das ruas dos bairros de trabalhadores, cuja linguagem fora o seu idioma de berço, nas ruas sujas do Brás ou do Bexiga, que Florestan Fernandes procura. Pôde, assim, elaborar vários estudos sobre o que ele chama de “saber das camadas populares”, cinco dos quais, dedicados fundamentalmente ao mundo infantil, compõem este livro: “O folclore de uma cidade em mudança”, “As ‘trocinhas’ do Bom Retiro”, “Contribuição para o estudo sociológico das cantigas de ninar”, “Contribuição para o estudo sociológico das adivinhas paulistanas” e “Aspectos mágicos do folclore paulistano”. Há ainda um apêndice com variações sobre esses mesmos temas. O autor trabalha com uma orientação teórica funcionalista, cuja premisssa básica é a de que os diferentes componentes da sociedade tendem a operar para produzir a integração social. Portanto, o conteúdo essencial das diferentes manifestações da vida social estaria determinado pela tendência conservadora de preservar valores necessários à reprodução da sociedade. Um estudo sociológico sobre o folclore infantil, elaborado nessa perspectiva, teria que sublinhar necessariamente o folclore e como instrumento de controle social. Por meio dele, a criança se socializa. No folguedo, na trocinha, no grupo infantil, o folclore produz uma sociedade (adulta) em miniatura. Nessa situação, o adulto já está potencialmente contido na criança (Martins, 1979, p. 102).

Minhas lembranças mais fortes do professor Florestan têm como enquadro a Rua Maria Antônia, no início dos anos 1960. Esta será a próxima etapa do roteiro coincide com o início dos anos 60. Na rua Maria Antônia ainda circulava bonde. A Faculdade de Filosofia – a Maria Antônia – era o centro intelectual de São Paulo. Na Cidade  Universitária, apenas alguns poucos prédios cortavam o matagal. Tempo difícil para algumas mulheres. Entre elas, a física Amélia Hamburguer. Eu fique grávida da minha primeira filha em 59; a minha primeira filha é de 60, e logo depois eu fiquei grávida da Sônia, em 61. Eu trabalhava na Cidade Universitária já, porque o Instituto de Física logo se mudou. Então, tinha muito pouca gente trabalhando na Cidade Universitária. E tinha um arquiteto que participou do plano de construção (…). Então, fui falar com ele das possibilidades da creche sair logo, a tempo de eu poder usar. E ele falou que estava no campus da Cidade Universitária e que o projeto era tal que a criança podia entrar aos 0 anos de idade e sair formado na universidade. Daí eu falei que assim só para os meus netos, e perguntei se não era possível fazer uma coisa provisória. E ele ficou muito zangado comigo, porque ele disse que, na Cidade Universitária, não haveria nem um prédio provisório: ele disse que aqui, no Brasil, se fizesse uma coisa provisória, ficaria para sempre em condições precárias. E eu falei: escuta e se o Instituto de Física tivesse a iniciativa e fizesse a construção de uma creche, o senhor nos daria apoio? Ele respondeu: se o Instituto de Física fizesse isso, eu mandaria fechar e demolir. Mas ele me explicou que faria isso porque ele achava que uma creche, e principalmente uma creche na USP, teria que ter as melhores condições possíveis. Que não poderia ser uma coisa precária. Esse argumento a gente ouvia muitas vezes das autoridades da Cidade Universitária, inclusive nessa retomada nos anos 70 (Entrevista com Amélia Hamburguer apud Campos et al, 1988).

A retomada dos anos 70 já aconteceu com uma Cidade Universitária propulsora e novas atrizes sociais: as feministas, ou proto-feministas que começavam a se organizar em grupos na cidade. Uma delas Rachel Moreno. “Olha, em 75 (…) comecei o 1º livro (…) teoricamente a questão do feminismo me interessava (…) a gente começou a discutir com algumas outras pessoas, umas três ou quatro e, de repente, um dia desses, eu estava na faculdade, estava no último ano (Psicologia da USP) achei um bilhetinho dizendo: ‘pessoas interessadas em discutir  uma solução para o problema da creche, compareçam dia tal, tal horário’ ” (Rachel Moreno, p.1). Rachel vai à reunião por dois motivos: o surgimento de um espaço que torne concreto o que vinha gestando/discutindo sobre o feminismo e porque, pensou, a creche poderia abrir espaço para a atuação profissional em psicologia. Ocorre, então, uma interação entre o feminismo nascente e a luta por creches da USP: estudantes e funcionárias participam do grupo de autoconsciência da Rachel e Rachel participa das mobilizações da USP de luta por creche. Por que se reivindica creche na USP? Por necessidade, parece a resposta óbvia. Mas também, provavelmente, para mobilização política. Três observações nos conduzem a esta suposição: 1) o movimento estudantil da USP, neste período, está em vias de reorganização; 2) a luta por creches, na USP, neste período conta com a participação de estudantes sem filhos (M., p. 4); 3) estudantes e funcionários (quase que exclusivamente mães) vêm para a primeira reunião do grupo com a seguinte proposta: “Vamos alugar uma casa para a gente cuidar dos filhos enquanto a gente assiste aula, dá aula ou trabalha (…). Aí a agente discutiu um pouco e, por que não, afinal em vez de um esforço individual, a gente reivindicar da Reitoria uma creche” (Rachel Moreno, p. 31). A reivindicação por creche na USP gera (agosto de 1975) a primeira manifestação pública no campus, após a intensificação da repressão. E ganha as primeiras páginas do jornal. “Queremos creche. A reivindicação estava nos cartazes, faixas e chapéus de papel jornal que trinta bebês exibiam diante da Reitoria da Universidade de São Paulo, ontem, ao meio dia” (Folha da Tarde, 29.08.75). Esta publicidade possibilitou um contato do movimento da USP com clubes de mães da zona sul, que disse que o fato da creche ter sido levantada para as primeiras páginas do jornal, de certa forma, fortaleceu (…) a organização a nível da reivindicação que estavam fazendo”(Rachel Moreno, p.4). Além deste contato, desde o início, entre o centro e a periferia na luta por creches, é o movimento da USP que vai trazer o modelo de creche assumido pelas feministas e pelo movimento de bairro: creche pública com participação dos pais na sua orientação (Campos et al. 1988, p. 146-148).
A creche da USP vingou. Existe até hoje. Ë considerada uma das creches modelo da cidade, se não do Estado e do país. Tem inspirado novas creches. Já que você está na cidade Universitária, não deixe de visitar o Centro de Convivência Infantil do Instituto Butantã. No meio das árvores, plantaram uma mesa grande, como nos quintais de antigamente, onde as crianças fazem suas refeições.

Da cidade Universitária, recomendo que se tome um ônibus qualquer que irá para Pinheiros. Descer no Largo de Pinheiros se você veio pela Rua Butantã, ou no Largo da Batata se o itinerário foi pela Nova Faria Lima. Estamos a cinco minutos a pé da Vila Madalena, berço das pré-escolas e creches alternativas dos anos 70. Convidei Daniel Revah (1995), um dos raros guias especializados no sistema educacional privado para crianças pequenas de classe média. As pré-escolas alternativas”, apesar das diferenças de propostas pedagógicas, tinham em comum a filiação a esse universo “alternativo” que as camadas médias delimitavam, sobretudo as intelectualizadas. Não por acaso a maior parte dessas pré-escolas surge na zona oeste da cidade, na região próxima aos campi de grandes universidades (PUC e USP) – as mais visadas pela repressão política. Além disso, essas pré-escolas tinham como epicentro a Vila Madalena, um bairro que até pouco tempo era visto como lugar de moradia de intelectuais, artistas e ex-hippies remanescentes da contracultura dos anos 70, e que ainda retém um pouco de seu passado “alternativo” na sua feira anual de artesanato, nos grafites que ilustram os seus muros, nas terapias “alternativas” que nele ainda permanecem e nos bares que prolongam o ambiente festivo das “repúblicas” estudantis do final dos anos 70 – onde foram morar muitos estudantes expulsos do Conjunto Residencial da USP (CRUSP) em 68. Professores e estudantes universitários ou profissionais que haviam passado pela universidade, em geral de esquerda (essa entendida num sentido amplo), direta ou indiretamente envolvidos nas lutas pela cidadania e contra a ditadura militar, críticos em relação a valores, instituições e comportamentos considerados tradicionais, assim como de outros que eram vinculados ao mundo moderno, eis aí o perfil da maioria dos pais de alunos e das educadoras dessas pré-escolas. Jovens que, em fins dos anos 70, tinham em torno de trinta anos ou menos. Apesar de se tratar de escolas, durante vários anos, as questões educacionais foram sobrepujadas por uma questão bem mais abrangente, ligada às principais preocupações desse segmento das camadas médias. Nessas pré-escolas, mais do que uma “educação alternativa”, procurava-se gerar uma nova forma de vida, uma “vida alternativa”, isso é, um modo de ser e viver que, pretendia-se, fosse inteiramente diferente do que então predominava. Além das crianças, portanto, os próprios adultos viam-se imersos num processo em que eles estavam se reeducando, avaliando e mudando os seus próprios comportamentos e valores, mudanças que, aos poucos, foram se compondo um estilo de vida.

Essa procura, essa exigência de mudar a partir do cotidiano todos os âmbitos da vida, não tinha um horizonte definido, embora alguns temas e questões reverberassem com maior intensidade, sobretudo os que diziam respeito à esquerda e à contracultura. Essa duas referências, aliás, remetem para  as duas principais dimensões dessas experiências pedagógicas: a política e a cultural. A extensão e o significado adquirido por essas difusas dimensões, assim como a radicalidade com que se tentou articulá-las, definiram em grande parte o perfil dessas pré-escolas, ao menos até meados dos anos 80. Nas fronteiras que definem esse perfil, encontramos, de um lado, as experiências que parecem comportar somente a dimensão cultural, tornando quase inexistentes o sentido político das práticas contraculturais; de outro, as que mostram uma estreita articulação dessas duas dimensões, dando ao âmbito político um sentido que as projeta para uma ação sobre outros setores sociais. Nesse artigo, analiso a trajetória das pré-escolas “alternativas” desde o momento em que surgiram até meados da década de 80. Nesse período, as questões educacionais e a própria escola transformaram-se em objeto de intenso “investimento existencial”, tanto para educadoras quanto para muitos pais de alunos. “Viver educação” é a expressão que, parece-me mais bem caracterizar esse período, no qual quase “respirava-se” educação, tamanho era o investimento. E não era para menos, dada a infindável tarefa de mudar radicalmente a vida, num ritmo que não admitia qualquer demora. Além disso, havia mais perguntas que respostas e os adultos sentiam-se começando “do zero”, sem referências precisas sobre como lidas com seus filhos ou seus alunos. Certamente, tudo isso alimentou a proximidade que existia entre educadoras e pais de alunos, todos eles quase que impelidos a procurar saídas coletivas, numa época em que não havia, e se quer se procuravam “especialistas”. Perder-se, não sabre como agir, ultrapassar determinados limites, esses eram alguns dos componentes de um processo que levou ao encontro de outros “códigos” sobre o agir e o pensar – uma outra racionalidade, diversa daquela que predominava no período. Perder-se para se encontrar, eis um dos sentidos dessas experiências. (Daniel Revah 1995, p. 51). Se a visita ocorrer no segundo semestre, recomendo ficar até a feira anual da Vila Madalena. Possivelmente você encontrará um(a) jovem de piercing. Possivelmente ex-aluno de alguma delas: Criarte, Novo Horizonte, Escola da Vila, Esboço, Curió, Alecrim, Fralda Molhada, Caravelas, Ibeji, Pirâmide, Miguilim, Suruê, Viramudo. Possivelmente, cursando, hoje uma faculdade de elite.

Os anos 70 foram animados na luta por creche. Grande parte da animação foi provocada pelos movimentos sociais: os dos bairros e os de mulheres feministas. Organizou-se, na cidade, o Movimento de Luta por Creches. Nossa guia é Cristina Mucci (1981) que, juntamente com Maria Malta Campos e Maria Helena S. Patto, compôs a mesa-redonda sobre creche e pré-escola na histórica I Conferência Nacional de Educação, realizada na PUC-SP em 1980. Tempos de abertura. O movimento de Luta por Creches surgiu em 1979 durante o primeiro Congresso da Mulher Paulista, reunindo aproximadamente 800 mulheres. A bandeira da creche foi uma das principais reivindicações. À primeira reunião compareceram cerca de 46 entidades entre associações de bairro, clubes de mães, sindicatos e grupos feministas. Já havia em São Paulo, há sete anos, uma luta isolada de vários bairros, e foi a partir da unificação desse movimento que ela tomou força e realmente conseguiu vitórias. Observamos no Movimento de Luta por Creches que a principal preocupação das mulheres é ter onde deixar seus filhos com segurança, porque a maioria delas trabalha fora, e mesmo as que trabalham estão sempre sobrecarregadas de tarefas domésticas. A mulher da periferia que está lutando por creches ainda não tem uma visão muito clara das necessidades da criança e do relacionamento mãe-filho.

O fato de a mulher trabalhar e estar entrando maciçamente no mercado de trabalho ocasionou o crescimento das reivindicações por creches, assim como o movimento de mulheres, que lhes deu certa noção de seus direitos em relação à maternidade, de seu papel como mãe e dona de casa. A trabalhadora normalmente não sabe que tem direito a creche. Em São Paulo a maioria das empresas não atem e os sindicatos ainda não se interessam por essa luta. Quem realmente estava reivindicando eram os bairros, clubes de mães e as comunidades de base da igreja. Tudo começou com um abaixo-assinado. Em 1979 fizemos manifestações públicas e notamos que as realidades eram muito diferentes. Dividiu-se então, o movimento por regiões Leste, Sul. Oeste e Centro. Essas regionais começaram a trabalhar mais ou menos independentes, indo à prefeitura e à Coordenadoria do Bem-Estar Social, órgão da prefeitura diretamente responsável pela implantação de creches. A prefeitura dizia sempre que não havia verbas; entretanto, à medida que o movimento foi crescendo e exercendo pressão efetiva no poder público, as verbas surgiram. Estão prometidas e já sendo implantadas 30 creches na Zona Sul, que é a região com maior poder de pressão e organização. A prefeitura deixa claro, inclusive em documentos, que está planejando mais creches para esta zona porque lá o movimento é maior. Nas Zonas Norte e Oeste também foram conseguidas algumas e na Leste, a região com mais creches indiretas, o movimento esta lutando por creches diretas. Esta é justamente a principal reivindicação do Movimento de Luta por Creches: creches diretas totalmente financiadas pelo Estado e que tenham a participação dos pais na sua orientação. Isso significa a única possibilidade da comunidade poder interferir. A perspectiva da prefeitura é a de educação compensatória e parte do princípio de que realmente a mãe nada entende e é incapaz de participar. É preciso também considerar que a realidade desses bairros e da mulher de cada uma dessas regionais é muito diferente, tornando-se difícil pensar numa única solução para todos. Alguns por exemplo, implantam suas creches em forma de mutirão e as administram por conta própria, mas a questão financeira é muito precária.

Certa autonomia das pessoas para gerirem sua própria creche é absolutamente inviável, diante da falta de recursos econômicos. Por outro lado, suprir essa necessidade constitui uma responsabilidade do Estado. Assim sendo, a mulher encontra-se diante de uma faca de dois gumes: as creches implantadas pela prefeitura têm perspectivas que vão contra os interesses da classe a quem ela serve, e por outro lado a prefeitura é absolutamente necessária para satisfazer às necessidades desta comunidade. A única solução possível; é que as comunidades realmente se municiem de instrumentos para interferir nestas creches e que possam elas mesmas ali trabalharem e serem remuneradas por isso. Um fato importante a ser considerado é que nesse locais existem inúmeras pessoas da comunidade trabalhando em condições precárias. Elas recebem muito pouco, ganham o salário mínimo por 10 horas de trabalho e no treinamento que a prefeitura dá tenta-se descaracterizar tudo o que elas sabem , tudo o que foi aprendido sobre como tratar uma criança. Isto pode acarretar, como de fato acarreta, uma certa despersonalização dessa mulher no trato com crianças, o que não é bom nem para ela, nem para a criança. A única saída lógica  é que as comunidades continuam a discutir o problema, que tenham certo assessoramento de pessoas ligadas à educação, à psicologia, e adotem essa perspectiva de não ir contra a sua cultura, suas necessidades, ajudando-as a entenderem as creches.

O outro problema é de que não há possibilidade de se conciliar, dentro do capitalismo, as necessidades das crianças e das mães, face à necessidade real que têm a creche. Ou seja, a mulher fica diante de um impasse. Não adianta pensar que a relação mãe-filho é uma coisa absolutamente necessária se elas não têm condições de manter uma boa relação com os filhos. O mal menor neste momento é a creche. Como levar adiante esta luta é um problema sério. Creio que a comunidade deve se fortalecer e tentar interferir ao máximo na creche. O movimento de Luta por Creches tem mostrado que a prefeitura é sensível a essas pressões, o que nos leva a continuar por esse caminho. Diante de uma necessidade real de 10 mil creches, em São Paulo, a prefeitura está prometendo 830 no período de três anos, o que é muito pouco, mas já constitui resultado da luta da população (Mucci, 1981, p. 42). A creche como mal menor ou maior percorre o imaginário brasileiro: pior que creche, só as criadeiras diziam os higienistas dos anos 30 ( Vieira, 1988); a melhor forma de cuidar e educar uma criança pequena é ainda a mãe, diz uma das versões do Plano Nacional de Educação (1999) para justificar o “desinvestimento federal” em creches. Isto talvez explique em parte que as 830 creches prometidas nunca foram construídas. Em janeiro de 2000, as creches municipais (diretas, indiretas e conveniadas) atingiam o total de 726 unidades, atendendo a 161286 criança/inscrições tendo entre 0 e 6 anos e 11 meses. Pois é, caro visitante, nosso “creche tour” inicia sua etapa mais extensa, sofrida e complicada: as creches municipais de São Paulo. De fato, precisaríamos de um roteiro só para elas. No guia Michelin receberiam, com certeza, três estrelas: valem a viagem. Convidei duas colegas para me ajudarem nesta visita: Maria Malta Campos e Lenira Haddad.

A rede de creches do município de São Paulo (MSP) apresenta particularidades que a colocam em evidência entre as experiências de educação/atendimento da criança pequena. Destaca-se, inicialmente, sua extensão, que, apesar de insuficiente frente à demanda, é bastante  ampla quando comparada à das demais experiências nacionais. Em julho de 1990, abrangia 596 equipamentos, com uma capacidade para atender 63998 crianças. Trata-se, também, de uma rede que comporta um grande número de equipamentos construídos e mantidos pela administração municipal. São as chamadas creches diretas, inteiramente mantidas pelo poder público: a alimentação fornecida, os salários e benefícios, o vínculo empregatício dos funcionários, os materiais pedagógicos e o equipamento interno, bem como sua manutenção, são financiados através de recursos orçamentários da prefeitura, ou a ela repassados por outras esferas públicas. Uma outra característica notável é que se trata de uma rede de creches completas, isto é, visam oferecer um atendimento completo (educação, alimentação e saúde) às crianças com menos de sete anos, distanciando-se, assim, dos modelos de emergência (como as creches domiciliares) ou escolares (como as pré-escolas stricto sensu). Essas duas características têm sido objeto de polêmica, tanto entre os moradores da cidade (governos, políticos, técnicos, militantes e usuários) quanto entre os técnicos da administração federal ou de organismos internacionais e intergovernamentais, como o Unicef e o Banco Mundial. Assim é que, durante a década de 80, quando a rede de creches do município expandiu-se através do incentivo ao subsistema de creches diretas(portanto, públicas) – atendimento em tempo integral inteiramente gratuito, funcionando em prédios especialmente construídos para este fim e comportando um quadro de pessoal numeroso e diversificado recebendo salários compatíveis com os parâmetros nacionais -, o MSP divergia das propostas do momento que enfatizavam a necessidade de expansão de vagas através de soluções de emergência. Para tanto, propunha-se a participação da comunidade no custeio da prestação de serviço, seja através do trabalho voluntário ou de cessão de espaços. Finalmente, vale insistir que se trata de uma experiência que, desde a década de 70, se propõe a ser uma rede de equipamentos prestando serviços duradouros, e não um aglomerado de creches desconectadas criadas como resposta a emergências. Ela dispõe de uma estrutura administrativa que estabelece diretrizes gerais para o funcionamento dos subsistemas direto e conveniado, sistematiza e padroniza o projeto arquitetônico, a programação e o quadro de pessoal, além de definir prioridades e estabelecer planos e metas de expansão. A despeito de fragilidades perceptíveis na rede de creches do MSP, a convivência de um subsistema público e outro conveniado relativamente extensos, e ambos se propondo a oferecer educação/cuidado de crianças, não só significou um ganho para a população usuária, como permitiu a construção de um corpo de conhecimentos e o desenvolvimento de uma competência entre técnicos municipais que têm provocado a revisão periódica da experiência em curso. Sua configuração atual é tributária de uma turbulenta história que ponteia a própria história do país, tendo se consolidado durante o governo militar, recebendo marcas profundas do movimento social dos anos 70 e do órgão administrativo ao qual tem sido sistematicamente vinculada: a Secretaria do Bem-Estar Social (Sebes).

A implantação e a expansão da rede de creches no MSP dá-se no âmbito de uma mudança mais geral na orientação das políticas sociais na cidade, as quais se desenvolvem a partir da interação, mais ou menos conflitiva, entre mobilizações da sociedade civil e decisões governamentais. Dessa forma, o impacto das diversas administrações que correspondem ao chamado período de “transição para a democracia”, e que coincidem com fases em que a organização popular representa diferentes configurações, vai marcar a história recente das creches na cidade: em 1978/82, Reynaldo de Barros, do PDS; em 1983/85, Mário Covas , do PMDB; em 1986/88, Jânio Quadros, do PTB; e, a partir de janeiro de 1989, Luiza Erundina, do PT. Outra particularidade notável da rede de creches do MSP é que tem estimulado uma produção de textos relativamente numerosa. O órgão de assistência social que vem abrigando caracteriza-se por uma história de falta produção de documentos programáticos, de reflexão e avaliação. Foi, inclusive, objeto de uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) instaurada pela Câmara Municipal (1983/84), que a esmiuçou em detalhes. Também foi objeto de estudos efetuados por pesquisadores externos, interessados na compreensão de sua expansão durante a década de 70, focalizando em especial a correlação de força políticas [Alvarez (1985), Campos (no prelo), Campos, Rosemberg e Cavasim (1988) e Gohn (1985)] e o seu funcionamento (Haddad, 1987 e 1991; Mello, 1987; Oliveira e Ferreira, 1989 e Loch 1986). Sua história tem sido intensamente vivida, sua memória registrada pelas pessoas que com ela interagiram e fixada em documentos. Assim é que uma decisão que se tome hoje, por mais pontual e simples em sua aparência – por exemplo, a disposição dos berços no berçário -, carrega a história de sua experiência (Rosemberg, Campos & Haddad, 1990, p. 328-330).

Afirma-se que a idéia de uma rede municipal de creches partiu do Prefeito Faria Lima após uma visita à Alemanha, onde se encantara com a atenção dada às crianças. Seu início foi moroso, mas se expande rapidamente nos anos 80 (Tabela 1), tanto o sub-sistema direto quanto conveniado (indiretas e particulares).

Tabela 1

Evolução da rede de creches municipais paulistanas segundo o sub-sistema: 1970-2000

ANOS NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS

Ano       Diretas  Conveniadas*

1970 1 28
1975 4 50
1980 18 145
1985 237 265
1990 273 323
1995 —– —–
2000 270 456

Fontes: Rosemberg et al (1990, p. 17) e SMAS(2000).

* Conveniadas: particulares conveniadas +indiretas conveniadas.

A partir de 1989 observa-se uma estagnação e, mesmo recuo, do subsistema direto ocorrendo apenas expansão das creches conveniadas. É tempo do Estado mínimo, da parceria com a sociedade civil. Tensão que tem sido crônica nas creches municipais. Convido para uma alça no trajeto: caminhar pelo centro até o Viaduto Jacareí, entrar no prédio novo da Câmara Municipal, subir até o 11º andar, no anfiteatro. Ao invés de uma Comissão Especial de Inquérito sobre corrupção, em 1983, foi instalada a CEI de creche. Motivo?

A Comissão Especial de Inquérito implantada nesta Câmara Municipal com o objetivo de investigar a situação das creches no município de São Paulo, considera que Creche é um direito do cidadão e um dever do Estado e da sociedade, constituindo-se uma extensão do direito universal à educação. A proposta desta Comissão surgiu da necessidade de investigar os fatores que estavam dificultando a até inviabilizando a expansão da rede pública de creches. Com este objetivo, esta CEI examinou com profundidade todos os aspectos ligados ao funcionamento das creches no município de forma a identificar problemas e apontar soluções para que se garanta uma significativa expansão da rede direta de creches da Prefeitura. Esta CEI considera que a Prefeitura de São Paulo deve definir com urgência uma política de atendimento à criança de 0 a 6 anos de idade. Esta política deveria ser considerada como prioritária pela administração municipal.

A intenção deste trabalho é que possa servir como subsídio ao poder executivo; na definição de uma política para o menor, na faixa de 0 a 6 anos (Câmara Municipal de São Paulo, Creches, relatório final, 1984). Esta política nunca foi implantada. Mas é desta CEI que surge a proposta, pela primeira vez no Brasil, que a creche e a pré-escola devem ser consideradas como uma extensão do direito universal à educação, proposta acatada pela Constituição de 1988 e referendada pela atual LDB. Porém, sua implantação vem ocorrendo de forma morosa, enfrentando a escassez de recursos alocados a este nível educacional. Correm informações que a lei do FUNDEF estaria afetando negativamente a educação infantil: vagas estariam desaparecendo da educação infantil (UNDIME, 1999).

Para a próxima etapa sugiro um percurso de metrô: parar na estação Tatuapé e, olhando direção leste, à esquerda uma alegre construção moderna chama a atenção. Um grande muro branco, vazado com círculos. De fora se enxerga um pateo, com brinquedos sólidos em madeira natural. De dentro, as crianças nos vêem, vêem os passantes, a rua, o metrô. Esta é uma das creches pré-escolas da então Secretaria do Menor, projeto arquitetônico de Ruy Ohake, que contou com assessoria de um grupo de escol, dentre eles Mayume Souza Lima. As creches/pré-escolas da Secretaria do Menor foram planejadas e implantadas durante a gestão de Alda Marcoantonio. Uma das últimas inovações paulistanas em matéria de educação infantil. Acataram, já, algumas diretivas da Constituição de 1988. Nossa guia é Eliana Saparolli (1997).

São equipamentos públicos, ligados à administração estadual, e integram o programa mais jovem no cenário municipal. Esta rede de creches foi implantada em 1987, pela então Secretaria do Menor, por meio de convênio com empresas estatais que se responsabilizaram pela construção, instalação, implementação e manutenção destes equipamentos. As creches são mantidas e administradas pelo Governo Estadual, perfazendo um total de 22 unidades que, até o início desta pesquisa, estavam agrupadas por estatais: 08 do METRO, 09 da Companhia Energética de São Paulo (CESP), 02 da Eletricidade de São Paulo (ELETROPAULO), 02 da Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) e 01 da (EMPLASA), e distribuem se, principalmente, ao longo das linhas de metrô. Este programa, desde 1995, passa por um processo de reestruturação decorrente de mudanças políticas na administração estadual e a1gumas estatais estão cancelando o acordo firmado através do conveniamento. Estas creches tinham a capacidade para atender a 130 crianças, desde o nascimento até os 6 anos e 11 meses, em período integral (12 horas diárias), privilegiando aquelas provenientes de famílias dispondo de rendimentos até 3 salários mínimos e cujas mães trabalham fora (São Paulo, Secretaria do Menor, 1992). 0 Programa Creche e Pré Escola da Secretaria da Criança era inovador porque partia do principio de que os equipamentos de educação infantil são espaços educativos que asseguram à criança melhores condições para viver e aprender, por meio do contato com outras crianças, com adultos e com o mundo. Em realidade, o programa se preocupa em assumir uma proposta educacional, que se reflete na formação do(a) educador(a) infantil (denominação oficial que o profissional que lida diretamente com a criança recebe neste programa), quanto em resposta às necessidades das crianças. Isto implica na idéia de uma ação pedagógica que “passa pela programação das atividades, pelo modo como se planeja a organização e o funcionamento da creche, pela maneira como se concebe o uso do espaço físico e a composição do ambiente”, pela qualidade das relações interpessoais e, sobretudo, pelas relações com a criança, pela escolha de brinquedos, livros e materiais, pela concepção do perfil dos profissionais, pela ênfase na dimensão educativa dos aspectos de saúde e de nutrição” (São Paulo, Secretaria do Menor, 1992, p.15).

Do ponto de vista da criança, ela é compreendida como sujeito de sua ação, como um ser diferente do adulto, como indivíduo com uma idade específica e, por isso mesmo, com um ser em desenvolvimento que tem suas particularidades. Esta concepção norteava a dinâmica do cotidiano da creche, visando permitir à criança viver momentos os mais variados possíveis: em grupos com outras crianças, em grupos na companhia de adultos e, sozinha com um brinquedo qualquer. Previa se que todos estes momentos tivessem caráter educativo no sentido mais amplo, (…) pois criam condições para que as crianças aprendam, descubram, construam o seu conhecimento” (São Paulo, Secretaria do Menor, 1992, p.14). Os educadores(as) das creches da Secretaria da Criança acumulam as funções de cuidar e educar, já que estas eram consideradas como indissociáveis na prática. Essa concepção exigiu a contratação de profissionais, que lidam diretamente com a criança, com, pelo menos, o 2º grau completo e, de preferência, com experiência de trabalho em creches e pré escolas. Este nível educacional, se por um lado, poderia garantir um melhor atendimento à criança pequena, por outro demandava melhores salários e um quadro de pessoal mais diversificado quanto à competência técnica. O que se esperava deste profissional era uma formação mais especializada e uma melhor compreensão dos fundamentos pedagógicos-educacionais dos equipamentos de educação infantil, relacionando-se com a criança numa postura compatível com os objetivos da proposta de ação educativa do programa (Saparolli, 1997, p. 64-65).

É uma pena que mais uma vez, a experiência não se manteve. Estatais foram privatizadas, creches repassadas para associações privadas com per capita insuficiente. Desvio de verbas, aumento dos custos quando do conveniamento com as estatais, são mazelas também arroladas. Recentemente fui chamada por um dos diretores de uma empresa ex-estatal para conversar sobre as creches. Uma de suas propostas era por uniforme nas crianças. Possivelmente, pensei eu, com o logotipo da empresa, pois, agora, tudo se vende. Chegamos à ultima parada do percurso. No centro histórico de São Paulo. Rua Benjamim Constant nº 75, 11º andar. Vamos visitar o CECEI – Centro de Cultura e Educação Infantil da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo, inaugurado dia 14 de maio de 1999. Reencontro Mário de Andrade e Macunaima recriando espaço. Se você for de transporte público, desça na Praça da Sé ou no Largo São Francisco. Se for de carro, atenção que aí ficam os estacionamentos mais caros da cidade: R$10,00 a primeira hora e R$4,00 a segunda. Dependendo da curiosidade, você gastará uma hora e meia para visitá-la. Esta visita é real, e não virtual. A experiência é recente, os textos são poucos. Você sobe de elevador até o 10º andar, e depois por uma escada até o 11º. Procure pela Telma, diretora do CECEI. Ela tem uma longa experiência em creches. O espaço localizado nos três últimos andares do prédio da CASSP, no centro de São Paulo, tem ambientes criados pela arquiteta Ana Beatriz Goulart de Faria especialmente para a presença de crianças, como a sala do faz-de-conta e o formigueiro, espécie de labirinto-armário de madeira, por onde a garotada passa de um andar a outro engatinhando. Na cobertura do prédio, as crianças tanto podem brincar, quanto observar a cidade e cultivar planta (…)

O CECEI se inspira em várias propostas, nacionais e internacionais. Procura articular com a prática, o conhecimento que vem sendo produzido pelas pesquisas. Dão contribuições pedagógicas históricas – tais como o valor da brincadeira e o reconhecimento das potencialidades das crianças pequenas – que vêm sendo elaboradas desde os primeiros tempos das creches e jardins-de-infância. Ou então a experiência dos Parques Infantis – implantados pelo escritor Mario de Andrade na década de 30, quando estava à frente do Departamento de Cultura do Município de São Paulo – que enfatizava o aspecto lúdico no processo de aprendizado da criança. São contribuições das várias ciências e artes e também de boas experiências atuais, como as do norte da Itália, da Suécia, da Dinamarca, das creches da Universidade de São Paulo, entre outras (CECEI, Press Release). A creche é espetacular. Não se pode imaginar que lá em cima tenha-se criado espaço tão cheio de novidades para as crianças: mezaninos, esconderijos, palcos, plantas (alface crescendo em plena Praça da Sé), escorregador e gente calorosa, querendo trazer vida ao centro histórico de São Paulo. Do topo não se enxerga o marco histórico. Não vi José de Anchieta com os curumins. Mas enquadrei o pico do Jaraguá e pensei que nas alturas ou nas planuras, toda criança brasileira merece o respeito que este espaço inspira.

O tour acabou. Oxalá o(a) próximo(a) prefeito(a) comece seu “creche tour” pelo 11º andar do número 75 da Benjamin Constant. A Telma e o Moysés terão muito prazer em guiá-lo(a).

Disponível em: http://observatoriodamulher.org.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=3517&Itemid=1

LEITURA COMPLEMENTAR

ROSEMBERG, Fulvia. Depoimento no Senado sobre  PLS 414  e PLC 6755 – 12/maio/2010.
Disaponível em: http://pt.scribd.com/doc/31277018/DEPOIMENTO-AO-SENADO-Fulvia-Rosemberg

Tempos espaços para a infância e suas linguagens nos CEIs, creches e EMEIs da cidade de São Paulo. SME/DOT, p. 14, 2006.
Disponível em: http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Documentos/BibliPed/EdInfantil/TemposEspa%C3%A7osPara%20Inf%C3%A2ncia_SuasLinguagens_CEI_Creche_EMEI.pdf