By Luis Carlos “Rapper” Archanjo
Somente passados 430 anos da nossa história educacional é que o os nossos intelectuais chegaram aos primeiros esboços do que poderia ser a educação a partir da modernidade dos ventos da Europa e dos Estados Unidos. Falar da educação no Brasil é ter que contextualizar um pouco da história da educação brasileira desde quando o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, chegou ao Brasil em 1549, acompanhado por diversos jesuítas encabeçados por Manoel da Nóbrega. Era o início do processo de criação de escolas elementares, secundárias, seminários e missões, espalhados pelo Brasil até o ano de 1759, ocasião em que os jesuítas foram expulsos pelo marquês de Pombal. Por 210 anos, os jesuítas promoveram maciçamente a catequese dos índios, a educação dos filhos dos colonos, a formação de novos sacerdotes e da elite intelectual, além do controle da fé e da moral dos habitantes da nova terra. Após a expulsão dos jesuítas da Companhia de Jesus por interesses econômicos que preservaram outras ordens religiosas atentas à educação da burguesia agrária, que fez com que aumentasse o fosso entre letrados e a maioria da população analfabeta (ARANHA, 2006, p.193). A Reforma Pombalina que, de imediato, não substituiu o ensino regular por outra organização escolar, o que teria provocado o retrocesso de todo o sistema educacional e o legado de analfabetismo da reforma. O império não foi um momento efetivo da educação como direito universal de cidadania. É verdade que a Constituição Imperial, ao tratar das Disposições Gerais e das Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, faz menção explícita à educação escolar no art. 179, onde diz: A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos. Porém, não aponta quem é esse cidadão brasileiro.
Com a queda da monarquia em 1889, começou a Primeira República, também conhecida República Velha, República Oligárquica, República dos Coronéis, República do Café, que durou até 1930 (ARANHA, 2006, p. 294). Somente a partir do binômio gratuidade e obrigatoriedade da educação como um direito social, levado a termo na Carta Magna de 1934, após os debates da década de 20 e o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, é que a educação passa a ser um direito social próprio da cidadania. Na seqüência histórica, de 1945 a 1964 veio a República Populista. Na educação, desde da década de 50, a ação efetiva em movimentos de educação e cultura popular empenhados não apenas na alfabetização, mas também no enriquecimento cultural e na conscientização do povo. A composição ideológica desses grupos, com influência tanto marxista como cristã deram os rumos para um debate jamais visto, e teve como pano de fundo o anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que levou treze anos para entrar em vigor através da LDB 4024/61. Depois vieram os anos de chumbo com as alterações e atualizações da LDB 4024/61, com os militares e tecnocratas impondo a Lei 5540/68 (para o ensino universitário) e a Lei 5692/71 (para o 1º e 2º grau) A partir daí, desenvolveu-se uma reforma autoritária, vertical, domesticadora, que visava atrelar o sistema educacional brasileiro ao modelo econômico dependente, imposto pela política norte-americana para a América Latina, via MEC/USAID (Ministério da Educação e Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional). Para implementação do programa, o acordo impunha ao Brasil o assessoramento norte americano e a obrigatoriedade do ensino da língua inglesa desde a primeira série do primeiro grau. Os técnicos oriundos dos EUA criaram a reforma da educação que atingiu todos os níveis do ensino. O acordo MEC/USAID tinha como proposta privatizar as escolas públicas, como não deu certo ele resolveu sucatar a mesma. Antes dele o ensino público era de qualidade e depois ficou péssimo como podemos constatar ainda hoje. A formação de mão de obra no menor tempo possível era o verdadeiro motivo por trás do objetivo de aperfeiçoar o modelo educacional brasileiro, acelerando a formação básica para o ingresso no mundo do trabalho, que passa para 11 anos a partir da fusão do primário com o ginasial, se chamando primeiro grau, com oito anos de duração, o curso científico fundido com o clássico passou a ser denominado segundo grau e o curso universitário passou a ser o terceiro grau, enquanto outros países europeus e o Canadá possuem no mínimo 12 anos. A implantação desse regime de ensino também retirou matérias consideradas obsoletas do currículo, tais como: filosofia, latim, educação política, sociologia e psicologia.
No início da década de 1980, o regime militar dava sinais de enfraquecimento, entrando em curso o lento processo de redemocratização. Mesmos que passados outros cinqüenta e quatro anos para ajustes como: vinculação de verbas, faixa etária e competência; a mobilização da sociedade através movimentos sociais deram o tom da redemocratização do país, após os vários ciclos de governo civil e militar, novamente debatendo as demandas sociais do nosso tempo trouxeram os avanços de debates para temas até então cercados pelo ceticismo de grupos interessados na manutenção do status quo a partir das questões político partidárias, tanto quanto da interferência do capital estrangeiro na década de 80 e 90, via Banco Mundial e os ordenamentos para as políticas educacionais dos países endividados. De um lado o Banco Central e o FMI representando os países centrais, credores, do outro lado os países periféricos e frágeis políticas sucumbindo-se aos processos de desindustrialização relativa, expansão dos mercados financeiros altamente competitivos intensificando a dependência dos Estados nacionais, notadamente dos países periféricos, que passaram a necessitar da confiança desses mercados para implantar suas frágeis políticas, mensuradas pela ineficiência do Estado como espaço de representação das demandas sociais, portanto, veículo de propaganda do privado em função da racionalidade e do bom gerenciamento, porém suscetível à subordinação ativa e consentida à lógica do mercado de as nova formas de produção e gerenciamento empresaria
Por trás da falácia do modelo neoliberal estava a intenção garantir potenciais mercados consumidores e exportadores de matérias-prima num mundo em transformação, o que demandava o ajuste dos sistemas educacionais dos países periféricos, qualificando-os para os processos globalizados da nova ordem do capital e as demandas por uma efetiva democratização do acesso ao conhecimento para atender o binômio “cidadania e competitividade”, já que estudos da Unesco e do Banco Mundial, via Relatório Delors, diagnosticara o desemprego, a exclusão, mesmo nos países ricos. O relatório faz recomendações de conciliação, consenso, solidariedade para enfrentar as tensões da mundialização, a perda das referências e de raízes, predominância do conhecimento científico-tecnológico, principalmente das tecnologias de informação. A educação do século XX e do milênio que se anunciava seria fundamental para o desenvolver nos indivíduos a capacidade de responder a esses desafios, particularmente a educação média. Portanto, passado o século XX e mais de dez anos no século XXI, o legado que agora temos nos dá uma dimensão do quanto o país fez pela educação e do quanto ainda resta fazer para cumprir as metas do compromisso como a educação como queriam os impulsionadores externos quanto ao binômio “cidadania e competitividade” a partir dos princípios estabelecidos pela UNESCO: aprender a ser, aprender a fazer, aprender a aprender e aprender a conviver. Parte de uma educação comprometida com a ética e de uma aprendizagem construtiva, interacionista, sócio-cultural, afetiva e transcendente para o alcance de uma formação integral, na qual pensamento, sentimento e ação dialogam com as emoções, desejos e afetos, tanto nos objetivos como nas estratégias de ensino e de aprendizagem.
Nesse contexto nasce a Constituição Cidadã de 1988, posterior a LDB 4024/1961 e anterior a LDB 9394/1996, com destaque para o capítulo II do Título V: um capítulo para educação (STEPHANOU; BASTOS, 2009, p.22). A educação torna-se um direito de todos e obrigação dos poderes públicos. Essa obrigação se impõe pelo Plano Nacional de Educação, pelo ensino primário gratuito e obrigatório, pela vinculação obrigatória de percentual dos impostos dos Estados, Municípios e União em favor da educação escolar, inclusive a da zona rural, a criação de fundos para uma gratuidade ativa (merenda, material didático, assistência médico-odontológica), a progressividade da gratuidade para além do primário, a confirmação de um conselho Nacional de Educação. Mesmo que nem tudo haja sido efetivado, ficaram registrados os compromissos com e na norma constitucional estabelecendo-se uma tradição virtuosa da busca do direito do cidadão e da cobrança do dever do Estado. Consagrou várias aspirações e conquistas decorrentes da mobilização da comunidade educacional e dos movimentos da sociedade civil organizada. Através da Emenda Constitucional 59/2009 projeta chegar-se a 2016 ao ideal de universalização da educação a partir de treze anos de educação básica gratuita e obrigatória para aqueles na faixa etária dos quatro aos dezessete anos de idade; inclusive assegurada sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria. Marcada pela força dos direitos sociais das minorias, como também atende o interesse internacional de minimizar as diferenças e estabelecer metas para um crescimento contextualizado e globalizado do ser humano. Busca-se anular a possibilidade de que um entendimento anacrônico, para que não caia no que Durkheim denominou anomia – as ações possíveis dos homens entre si, desses com as instituições e com o mundo dos objetos seria insuportável dentro de uma existência social anômica tal como seria o estado de guerra hobbesiano – permita que situações nefastas sejam repetidas. A ONU, por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD), tenta dinamizar o desenvolvimento e fomentar e o respeito aos Direitos humanos, ou seja, o direito a ter direitos.
A estruturação tardia do sistema público de ensino brasileiro, suas mazelas e os equívocos políticos não parece suficiente, porém, para esclarecer as causas da persistência de elevados índices de analfabetismo absoluto e funcional e de uma média de anos de estudos inferior àqueles de países latino-americanos com níveis equivalentes de desenvolvimento econômico. Essa descontinuidade entre as dimensões econômica e cultural da modernização torna-se compreensível quando percebemos a estreita associação entre a incidência da pobreza e as restrições ao acesso à educação. A história brasileira nos oferece claras evidências de que as margens da inclusão ou da exclusão educacional foram sendo construídas simétricas e proporcionalmente à extensão da cidadania política e social, em íntima relação com a participação na renda e o acesso aos bens econômicos. A tese corrente que converte associações positivas em nexos causais, afirmando que a elevação da escolaridade promove o acesso ao trabalho e melhora a distribuição de renda, é apenas uma meia-verdade elevada à condição de certeza com base em certa dose de ingenuidade sociológica e otimismo pedagógico. A inversão dessa mesma equação nos leva a crer ser improvável a elevação da escolaridade da população sem a simultânea ampliação de oportunidades de trabalho, transformação do perfil da distribuição de renda e da participação política da maioria dos brasileiros (ARANHA, 2006, p. 349).
A educação brasileira apareceu como instrumento, desejado consciente ou inconscientemente pelas classes dominantes, de reprodução das relações sociais através da reprodução ideológica de sua concepção de mundo e de defesa de seus interesses. Sendo a formação capitalista predominante na história da sociedade brasileira, a educação se adaptou às suas exigências, respondendo pela sua reprodução. Assim como a educação integra o processo de dominação, é verdade que também pode integrar o processo de resistência a essa dominação e de sua superação, contribuindo para uma prática social que seja transformadora. Porém, na nossa sociedade, sob formação econômica capitalista, o núcleo substantivo de todas as relações sociais é a relação capital/trabalho, no processo de produção. Assim, sendo, a educação não é alavanca de transformação social. Ter explicitado isso, com minúcia e precisão, é, sem dúvida, a grande intuição e a grande contribuição de Marx. Portanto, a educação está diretamente relacionada com as condições da economia, e é por isso que Gramsci insiste em que nenhuma reforma intelectual e moral pode estar desligada da reforma econômica. É por isso que a educação não faz a revolução social. Mas exatamente porque o processo social em suas múltiplas manifestações traz no seu âmago contradições profundas, ela fica sujeito a mudanças. Assim, se de um lado a educação pode disfarçar – legitimando-as ideologicamente – e abrandar as contradições e os conflitos reais que acontecem no processo social, de outro ela pode também desmascarar e aguçar a consciência dessas contradições – denunciando-as criticamente, negando-lhes legitimidade.
Quando vemos os resultados das provas nacionais de avaliação da educação básica, para a verificação de como anda a aprendizagem das nossas crianças e adolescentes, e no vestibular dessas, quando passados ou não para a vida adulta, temos nos números de aprovação uma seleção natural de uma trajetória educativa que nos possibilita analisar sem as lentes dos especialistas em educação do quanto à referência na excelência pedagógica dos colégios ligados à ordem cristã, aqui estabelecida no século passado, divididas entre beneditinos da ordem monástica; e carmelitas, franciscanos, dominicanos, agostinianos da ordem mendicante, em detrimento ao legado das reformas educacionais, impregnadas das mesmas forças reacionárias à educação como um direito humano dos menos afortunados, que sucederam à Reforma Pombalina até os nossos dias. Porquanto dos novos rumos da condição de formação da elite dominante, na contramão do legado da mentalidade cristã da idade média que via o saber como um dom divino que não podia ser objeto de comércio, ficam algumas interrogações do contexto da historicidade da educação brasileira sob a tutela das ordens religiosas, já que nasce sob a bandeira do ensino gratuito e de mestres que recebiam prebendas para o santo ofício da educação nos mosteiros e abadias. Quando estudantes buscavam orientação de um grande mestre das artes, que se dedicavam a uma ou duas disciplinas apenas, havia a necessidade da busca de alojamentos, já que eram oriundos das mais variadas regiões. Os de melhores condições moravam em casas particulares, enquanto os mais pobres residiam em instalações para acolhê-los, os hospitais de caridade (collegiuns), anexa às casas religiosas. Esses alunos realizavam trabalhos domésticos, pediam esmolas ou recebiam ajuda da igreja, na forma de bolsas, para se manter.
As primeiras hospedagens surgiram em fins do séc. XIII, em Paris, Oxford e Cambridge, e se disseminaram depois pela Europa nos séculos XIV e XV e no séc. XVI, devido ao prestígio acumulado, os colégios deixam de servir de abrigo para estudantes pobres, e as funções se invertem: eles se especializam como locais de ensino e em suas proximidades surgem pensões especializadas para moradia dos estudantes. A partir do modelo originado nas faculdades de artes, em seguida passam a ser criados pelo poder civil, em colaboração com os religiosos, ou surgem da associação com universidades, que concentram os estudos superiores. Alguns também foram fundados pela burguesia. O rigor dos colégios no controle administrativo e na organização, junto com outras modificações, integra as reformulações sociais e políticas ocorridas entre os séculos XVI e XVIII. A transformação na estrutura dos colégios integrou um novo ordenamento cultural que traduziu em alterações políticas e religiosas, em novas práticas de mercado, na formação de uma ótica individualista e na necessidade de distinção social. Novos costumes e hábitos demarcaram o lugar do indivíduo e do coletivo, assim como nas formas de socialização – o que explica a seleção de novos elementos socioculturais e o sucesso dos colégios entre as elites. O sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917), em A evolução Pedagógica, obra publicada em 1938, registra importantes definições para elucidar o surgimento dos colégios. “Petitat analisa as correntes da sociologia integradas à estudos da evolução da escola na Europa, com destaque para a França” (Petitat, 1994 apud VEIGA, 2007, p. 29/32).
Somente com a mobilização de “todos pela educação” poderemos intervir em escala maciça nas políticas públicas e, assim, promovendo a redução das desigualdades sociais, intelectuais e econômicas que prejudicam em sua vida escolar a criança de menor categoria social. Enquanto não muda o quadro de descaso com a educação pública essa criança continuará a apresentar maus resultados escolares e abandonará a escola, fugindo à experiência das derrotas sucessivas. Parte da razão para essa correlação entre classe social e sucesso educacional reside na natureza dos testes e nos tipos de exames utilizados para discriminar estudantes. O uso de testes pode ser considerado fator encorajador da perpetuação das desigualdades quando servir para classificar e segregar crianças de acordo com o critério acadêmico tradicional. Muitos estudos mostraram a alta correlação existente entre a classe social e o desempenho na resposta aos testes escolares e de inteligência. Quando as crianças são segregadas de acordo com o resultado desses testes, com currículos de tipo e dificuldades diferentes, para grupos diferentes, vemos que os grupos tendem a homogeneidade social e econômica. Isso quer dizer que, mesmo que as modificações curriculares mantenham as crianças da classe mais baixa durante mais tempo na escola, as desigualdades quantitativas entre as classes sociais podem ser reduzidas, mas as desigualdades qualitativas são freqüentemente ampliadas. Isto é, uma criança da favela apresenta maus resultados em um teste porque é, como criança de favela, culturalmente diferente, e a maioria dos testes, inclusive os de inteligência, possuem elevado conteúdo cultural para o seu déficit. O malefício do “currículo oculto” atua nos processos da correlação de forças entre abordagens didático-pedagógicas, político-filosóficas que estimulem ou inibem os mecanismos cognitivos necessários à identificação com as determinantes subjetivas trazidas no bojo do convite ao partilhamento do saber, isto é, aprendizagem significativa nascida da interação de novos conceitos e informações com conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva do aluno.
Os resultados do teste são, então, utilizados para enquadra-lo em um currículo, ou escola, cujo programa a afastará cada vez mais da possibilidade de seguir uma linha ocupacional que possa leva-la, e a seus filhos, mais tarde, do status de favela. A escola pública existe para atuar como instrumento de compensação para certas desvantagens naturais, como o atraso cultural, pais sem escolaridade e que não dispensam apoio aos filhos, assistência médica, oftalmológica, entre outras carências. No entanto, a escola é menos compensadora do que devia ser, em sua função reguladora, pois reflete, usualmente, as privações da comunidade em cujo seio está encravada. Ou seja, as escolas que servem aos favelados sofrem a deficiência de pessoal, seus professores são mal pagos e mal preparados para a realidade a ser enfrentada. Segregação social quer dizer que as desigualdades educacionais compõem desigualdades sociais. Perguntas do tipo: Como vivem as famílias das classes populares? O que pensam sobre a educação dos seus filhos? Como realizam essa educação? Como é a linguagem nas classes populares? Como é a escola oferecida a essas crianças? Como se dá a participação dos pais na escola? São perguntas que até os anos 1980, sabia-se muito pouco. Passados trinta anos, pergunta-se: O que se sabe hoje a respeito da escola pública de ensino fundamental oferecida às crianças e adolescentes das camadas populares? Em tal contexto de relações interpessoais em que o professor é o agente de mudanças atuando no dia a dia do aluno, no conjunto do currículo explícito e do oculto, suscita uma maior aproximação entre seus protagonistas para que a escola seja entendida na ótica da formação de professores, os pais atuando na qualidade da relação escolar quando se orientam das observações daqueles que muitas das vezes têm mais tempo de convivência diária, e com isso a maior chance de observar mudanças de comportamento, por exemplo.
A abordagem que se desloca dos problemas de aprendizagem para os problemas de escolarização e uma contribuição da psicologia escolar e da educação no sentido de questionar o lócus dos problemas de aprendizagem quer na criança e adolescente, quer em sua família ou em suas condições de vida, possibilitando outra percepção da complexidade dos fenômenos escolares e a busca negociada de resolução de problema no âmbito da escolarização em nome da superação de modelos patologizantes de interpretação do processo educacional que precisam ser diariamente questionados e superados, por meio da análise e da reflexão a respeito da prática pedagógica que muitas vezes contradiz discursos mais avançados existência de dificuldades pessoais ou familiares por parte do aluno. Portanto, o foco na escolarização não exclui a participação do educador na busca de alternativas educacionais; a relação ensinar-aprender é atravessada pelo funcionamento institucional escolar, definindo, muitas vezes, a qualidade do aprendizado; a participação dos pais, muitas vezes, define, do ponto de vista da escola, a qualidade da relação escolar estabelecida; a insatisfação muitas vezes vivida pelo professor na relação escolar, fruto de políticas públicas inconseqüentes, é repassada na relação pedagógica e com seus pares. O desvelamento da vida diária escolar aponta para a complexidade das relações ensino-aprendizagem. Tais relações envolvem aspectos da política educacional, da organização institucional, da formação de professores, das histórias individuais e profissionais, das relações das escolas com os pais e destes com a escola, da relação face a face da sala de aula, da constituição em grupos na sala de aula, da constituição de normas e regras de funcionamento, dentre outros itens que nos permite conhecer a escola por dentro para poder descrever os processos educacionais presentes na produção do fracasso e do sucesso escolar. Esse conjunto de relações entrelaça na história escolar de cada criança e na história profissional de cada professor. Considerando que as relações escolares são produzidas no contexto escolar: Como conhece-las, como aprende-las? Conhecer a escola escolar revela o quê a respeito das dificuldades vivida no presente momento de escolarização desta criança ou adolescente?
É certo que uma das funções da escola é preparar os sujeitos para o mercado de trabalho, mas esta visão pragmática esquece que, também, é papel da escola desenvolver nos sujeitos uma formação plena, na qual se incluem a ética e o desenvolvimento da autonomia. O desenvolvimento de habilidades e competências para lidar com informações vai além do domínio de conceitos. A avaliação é compreendida como um processo válido para o próprio aluno, não para o professor. Por isso representa apenas uma das etapas de aprendizagem, não o seu centro. Despojada do terror que a mistifica, não afere apenas os aspectos intelectuais, mas também as atitudes e a aquisição de habilidades. O sistema de prêmios é condenado e a competição substituída pela cooperação e pala solidariedade É preciso que os sujeitos aprendam a tomar decisão na escolha de dados relevantes para a solução das soluções-problema que enfrenta. Isso significa ser preciso que os alunos percebam pelo modo como são colocados diante das atividades de ensino e que, ao agirem, deveriam estar aprendendo a tomar decisão e a resolver problemas a partir da definição de ações, escolha de dados relevantes e fazendo uso de ferramentas que sejam adequadas para solução da situação posta pela realidade concreta. Logicamente, a reação dos alunos às propostas de trabalho do professor depende, por sua vez, da formação recebida em casa e da importância atribuída à educação, da sua capacidade de expressão verbal, oral ou escrita, como também levar em conta as concepções axiológicas, sociolingUísticas e heteroperceptivas do repertório do “currículo oculto” evidenciando em maior ou menor escala o que está subjacente à capacidade docente de inferir valores pessoais na relação discente/discente, já que a educação não é neutra, e esta se faz segundo toda uma historicidade de educação associada à manutenção ou reprodução do sistema. O discurso de que a escolarização é caminho para a equalização de oportunidades na verdade dissimula a reprodução do sistema, isto é, são dadas poucas chances reais para os filhos de operários deixarem de ser proletários, o que se verifica pelos altos índices de evasão e repetência, indicativos do afastamento precoce das crianças pobres do ambiente escolar.
As abordagens etnográficas exploram a dimensão menos visível da escola e da sala de aula, o que não é notado, aquilo que parece tão natural, trivial e familiar, que não é examinado pelos participantes, nem problematizado – as dimensões sociais tácitas, não intencionais e ocultas que permeiam as interações entre pessoas. Enquanto a aula acontece e professor e alunos estão ocupados com o conteúdo escolar, existe um “currículo oculto”, favorecendo ou minando a aprendizagem. A maneira como aluno e professores tecem suas relações no cotidiano escolar aumenta ou diminui a resistência dos estudantes em relação ao currículo manifesto. Desse modo, as propostas pedagógicas não se resumem ás dimensões didático-curriculares. Enquanto práticas sociais comportam valores, significados, relações de poder, ações de silenciamento e atitudes de resistência. Etnografia é o termo que os antropólogos dão às monografias descritivo-interpretativas sobre as formas de vida de povos primitivos, seus usos, costumes, valores e mitos. O termo foi transposto para o estudo da cultura escolar, espaço social que tem seus próprios ritos, rotinas, formas de relacionamento, proibições e obrigações. Qual o sentido que as práticas escolares têm para seus participantes? Por que fazem diariamente o que fazem? Trata-se de desvelar a dimensão simbólica que está subjacente às interações entre os atores. Trata-se de descrever os frágeis arranjos sociais que permitem reunir pessoas apesar das contradições e dos interesses conflitantes. Trata-se de entender também aquelas práticas aparentemente sem sentido, mas freqüente nas salas de aula: professores que continuam a dar aula para classes apáticas e desatentas, alunos que não anotam e sequer têm caderno. Por que isso acontece? Quais razões poderiam justificar a manutenção de tais práticas? Quais finalidades eles estariam cumprindo? Se essas práticas permanecem é porque cumprem um papel – qual seu sentido oculto?
Um dos componentes muito importante no estabelecimento de relações francas amigáveis ou conflitantes de professores e alunos são as avaliações. O relacionamento social nas escolas tem sido objeto de inúmeras pesquisas e embora haja um considerável acervo de dados sobre o papel das perguntas no procedimento em classe, as avaliações têm também uma relevante presença na análise feita na literatura, principalmente sobre seu significado para a sociedade e repercussão no comportamento do aluno. A escola representa a possibilidade de mobilidade social, projeção de ambições. São pressões exercidas sobre as crianças e jovens pelo que a trajetória educacional implica em boas possibilidades de uma vida profissional que garanta conforto, independência, respeito e aceitação social. Perspectiva de êxito na carreira e na vida pessoal dos alunos para muitos é sinalizar pelo sucesso ou insucesso na vida escolar. Alguns dos resultados da avaliação nas relações humanas são, portanto: tensão emocional – pelo significado e importância do processo, mudança de comportamento do aluno para agradar o professor e obter aprovação dos colegas ou demonstrar repulsa e revolta, competitividade – gerando um ambiente de concorrência e busca de melhores situações pelas notas obtidas em lugar do estímulo ao trabalho conjunto e cooperativo.
Em decorrência, atitudes de desprezo pela escola, comportamento agressivo dos alunos pode muitas vezes refletir temor pelo insucesso na avaliação. Esta desempenha também função importante nas relações dos alunos e muito do comportamento desses pode resultar da defasagem entre o que pretendem e o que a escola acha que necessitam. Os resultados insatisfatórios na avaliação podem significar desconsideração pelas aspirações das crianças e jovens e rejeição da escola que perdem assim a possibilidade de entender melhor o mundo em que vivem. Classes atuais têm grande número de diversidade de estudantes, o que significa um amplo espectro de expectativas dependendo de diferenças étnicas, socioculturais e econômicas, com os quais o professor defronta. Portanto, a audiência a quem interessa os resultados da avaliação é também extremamente variada, incluindo a comunidade escolar de docentes, discentes, administradores, pessoal de apoio, as famílias e a sociedade em geral. Fazer com que os estudantes aceitem a cultura escolar envolve conhecer as atitudes, opiniões, críticas que fazem a forma como é o ensino e compreendam, aceitem os valores e conhecimentos que a escola quer lhes transmitir. Realidade incontestável, as relações dos alunos são profundamente afetadas pela influência das realidades locais, como também da família na proposição de qualidades prescritivas e pela organização do trabalho escolar estimulando ou não a integração entre os vários subgrupos formados. Quando nos estabelecimentos escolares há estímulo para integração entre esses subgrupos, os estereótipos se diluem, aumentando a diversidade de ponto de vista de interesses. O sucesso ou insucesso na escola, medido sobre o desenvolvimento ou não dos estudantes pautando muitas das vinculações das famílias com as escolas é variável a ser repensada na escola onde as relações de distanciamento com os pais e a comunidade, por n fatores da falta de diálogo que leva ao fracasso escolar e as conseqüências da baixa escolaridade retroalimentando a violência e os processos de vidas precárias.
Os valores dos professores no que Bordieu chama de “juízo profissional” (BOURDIEU, 1998, pp. 187/216) ao analisar pesquisa feita na França a partir de fichas de avaliação individual de alunos de um curso superior introdutório, levam em conta a aparência física, as maneiras e a conduta, as origens sociais e geográficas indicando que a representação dos docentes depende de critérios diferentes dos explicitados nas avaliações, tais como: aplicação, organização, atenção, seriedade, clareza, concisão e sutileza. O mesmo fenômeno é indicado entre nós quando Patto descreve como professores acabam discriminando nas avaliações de alunos da sua própria origem social com expressões como “humilde” para negá-la ou outros de classe média que, ao contrário, se identifica com os estudantes do seu próprio grupo (PATTO, 1991, p. 385). A discussão sobre as funções da avaliação é em geral polarizada em dois extremos: em um deles está os seus defensores que a consideram um instrumento essencial na manutenção e aprimoramento do sistema educacional, e no outro estão os que a considera instrumento de coerção e controle exercido por professores, escolas e sistemas educacionais que representam o poder. Nesse sentido, é necessário relembrar que a avaliação tem como uma das funções obter e interpretar dados sobre o aprendizado de seus estudantes e informar famílias, escola, a sociedade e os próprios alunos como estimam o resultado do processo visando a seu aperfeiçoamento.
Aceitar a avaliação como um instrumento de aprendizagem e investigação didática, onde o paradigma de investigação considera o ensino como um processo de tomada de decisões e o professor como o profissional encarregado de adota-las. A avaliação como investigação didática deve auxiliar na busca de respostas às seguintes questões: Como cada aluno está desenvolvendo sua aprendizagem? Por que este aluno não está aprendendo? Quais suas dificuldades? Por que ele comete determinados erros? Como trabalhar com os erros dos alunos? Quais matérias e atividades ajudariam a superar as dificuldades? Como fazer o acompanhamento do processo de aprendizagem criando novos desafios? Se a intervenção do professor na aprendizagem do aluno implica sempre em revisão e reorganização do ensino, isto nos leva a crer que ensinar é uma ação que exige permanente investigação e, conseqüentemente, permanente aprendizado. Neste sentido, a avaliação como investigação didática é o desencadeamento de reflexões e de autocorreção do processo de ensino, tendo em vista a aprendizagem do aluno.
Lüdke ( apud CASTRO; CARVALHO, 2002, p. 14-19) propõe que se lance um olhar sociológico sobre a avaliação, não só para enxergar melhor a sua função controladora, mas, sobretudo, para tentar entender como se traduzem no dia a dia das ações e relações escolares e os seus mecanismos de poder, como o “currículo oculto”, o planejamento curricular (pela divisão em séries e em turmas, fragmentando saberes colocando limites no processo contínuo de aprendizagem, nas distribuições dos tempos escolares, dedicando mais tempo e os melhores horários para certas disciplinas consideradas mais nobres), nas relações da escola som os pais e a comunidade (falta de diálogo), na distribuição de notas e conceitos aos alunos (valorização excessiva das provas) (CASTRO; CARVALHO, 2002, p. 183). Ao revelar também uma grande preocupação com o papel da avaliação escolar no fortalecimento das desigualdades sociais que se transformam em desigualdades escolares, Perrenoud (1990, p. 48 apud CASTRO; CARVALHO, 2002) procurar explicar como elas vão sendo fabricadas pela escola e, para isso, toma emprestado de Bordieau a noção de “capital cultural” e de “habitus”. O capital cultural, segundo ele, substitui em um sentido muito amplo, a memória do indivíduo – suas aquisições, que são fruto de aprendizagens constantes. No centro do capital cultural se encontra o “habitus”, descrito por ele como “[…] o sistema de disposições, costumes, gostos, atitudes, necessidades, estruturas lógicas, simbólicas e linguísticas e esquemas perceptivos de avaliação de pensamento e de ação”. E ele explica: cada criança ao ingressar na escola leva consigo um capital cultural, uma bagagem de conhecimentos e aprendizagens que a difere das demais. Ao tratar todas as crianças como iguais, a escola ratifica as desigualdades culturais iniciais e vai transformando as desigualdades de aprendizagem em desigualdades de capital escolar.
Outro conceito importante para entender o poder e a função social da avaliação pelo que Perrenoud chama de “fabricação da excelência escolar” . Segundo ele, como outras instituições na sociedade, a escola define um conjunto de normas de excelência em torno das quais se pauta e avalia. Essas normas ensejam comparações entre os indivíduos e, em conseqüência, o estabelecimento de hierarquias, conforme o maior ou menor grau de aproximação à norma. Assim, desde as primeiras séries, os alunos aprendem a se comparar e a se situar frente às normas de excelência estabelecida pela escola e vão fazendo as classificações: escrever bem, por exemplo, é seguir as normas definidas pela escola sobre o que significa uma boa escrita; desenhar bem é fazer aquilo que a norma da escola define como bom desenho, e assim por diante. Quando as tarefas são as mesmas para todos os alunos e as condições similares, as diferenças de desempenho ficam mais claras e a hierarquização aparece mais rapidamente. O professor quer queira quer não, encarna a norma. Dificilmente ele conseguirá orientar o trabalho dos alunos sem emitir implícita ou explicitamente um juízo de valor. Perrenoud insiste na ideia de “fabricação da excelência escolar” para evidenciar que os juízos e hierarquias escolares como todas as representações, é resultado de uma construção cultural, intelectual, social, em parte codificados pela instituição de ensino e em parte inventados pelas pessoas, no cão, incorporados e veiculados pelos professores. Ele explica que usa esse termo como uma metáfora para chamar a tenção ao poder que tem as organizações para construir representações da realidade e importa-las a seus membros como se fosse a única forma de ver a realidade. Em nenhum momento essas formas e juízos aparecem como um, entre outros possíveis pontos de vista.
Em geral dá-se um grande peso aos julgamentos do professor, esquecendo-se que eles são atravessados por esquemas mediadores, como se diz Gimeno Sacristán (1992), ou seja, mesmo quando estão apoiados em instrumentos objetivos como testes, provas, ou escalas de avaliação, eles passam por um processo de filtragem do professor. Portanto, está impregnada de juízos de valor que dão base a avaliação, são matizados pela opinião pessoal do professor, por aquilo que ele valoriza por suas simpatias, empatias ou antipatias, em relação ao aluno, por seus preconceitos, por suas concepções e crenças. Alguns valorizam a capacidade de argumentação do aluno, outros a resposta correta, uns a ortografia, outro a expressão escrita, alguns o conceito, outros a técnica. Isso é um efeito das percepções humanas, diz Sacristán, e é delas que se nutre a avaliação. Reconhecer a existência dessas mediações e assumi-las, criticá-las é, sem dúvida, um passo importante. Se as normas que orientam a formulação de juízos de valor, que constituem a base da avaliação, são construções afetadas por fatores psicológicos, por componentes axiológicos e por valores institucionais e sociais, é preciso, antes de tudo, relativizar o seu poder e sua autoridade, tentando diminuir seu peso na produção do fracasso escolar. É preciso desmistificar a objetividade freqüentemente associada à avaliação, denunciar as matizes pessoais que atravessam os julgamentos que lhe servem de base, procurando assim, não só amenizar o desastre nas relações sociais construídas no cotidiano escolar, mas, sobretudo reduzir os seus efeitos nocivos na fabricação das desigualdades. É importante identificar esses mecanismos, anuncia-los, critica-los, mais importante ainda é tentar supera-los. Uma possibilidade é procurar tornar públicos os valores e normas institucionais por parte de todos os agentes escolares de modo que eles sejam construídos em conjunto e, portanto, possam ser assumidos pelo coletivo, diminuindo o peso da mediação pessoal/individual, do critério arbitrário e abrindo caminhos para tornar públicos os julgamentos.
A avaliação do ensino apresenta dificuldades principalmente por uma tradição que usa sempre os mesmos tipos de instrumentos como provas escritas, orais ou práticas e não se vale de outros recursos que possam fornecer informações mais adequadas ao que se pretende verificar. Limitar-se a um tipo de prova pode viciar o processo por não atender às peculiaridades dos alunos e não suprir as deficiências das várias modalidades usadas. Reconhecer a precariedade, a rudeza dos instrumentos de que se dispõe deveria levar o professor para compensar falhas e omissões a usar vários deles, no sentido de elaborar um quadro aproximado, representativo do que ocorre nas salas de aula, laboratórios e atividades em geral, pois apenas um tipo de dado ou mesmo tipos não podem descrever com precisão os complexos fenômenos em exame. Também não basta colecionar um conjunto de estatísticas e descrições de fatos, mas sim fazer um esforço de análise para compreender as interações entre vários elementos e suas conseqüências. Os estudantes, quando motivados, assistem às aulas de forma mais atenta e interessada. Quando os cursos têm má reputação já entram nas aulas a contragosto e o rendimento tende a ser menor. Todo professor está constantemente fazendo auto-avaliação, com base nas atitudes de seus alunos em aula e fora dela, dos resultados das provas e, em certos casos, a partir de instrumentos elaborados para esse fim. Nesse processo contínuo, o docente pode observar os alunos com base em preconceitos, gerando grandes injustiças, pela complacência com o que classifica como “bons” ou ajustados à filosofia da escola e rigorosos com os pré-classificados como “maus” alunos, e todo um repertório do “juízo profissional”.
Uma proposta de rompimento com a concepção de avaliação que pune e exclui o aluno em direção a uma concepção de progresso e desenvolvimento da aprendizagem tem feito parte das mudanças implementadas nas escolas brasileiras nos últimos anos e está entre as inovações preconizadas pela nova LDBEN (Lei 9394/96, de 20/12/199, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional). Os critérios que deverão ser observados em relação à verificação do rendimento escolar apontam para tal inovação e se encontram assim explicitados na nova lei:
a) a avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;
b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;
c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado;
d) aproveitamento dos estudos concluídos com êxito;
e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferências paralelos ao período letivo, parta os casos de baixo rendimento escolar, a derem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos.
As indicações contidas na LDBEN são bastante interessantes e contemplam, de certa maneira, as propostas que vêm sendo apresentadas e discutidas na literatura. Sabe-se, entretanto, que o fato de estar incluída na lei não significa, necessariamente a garantia de mudanças nas escolas e no trabalho dos professores. As propostas de mudanças somente deixam de constituir em intenção, quando os envolvidos diretamente no cotidiano das escolas se convencem da importância de realizá-las, compreendem por que as estão realizando, recebem orientação e dispõem dos meios para concretiza-las. Por onde começar? Em que medida as escolas poderiam garantir apoio ao processo de mudança da visão do professor em relação à avaliação e como poderiam contribuir para a redução da distância entre o proposto na legislação e o vivido na sua prática? Como a escola pode conhecer as representações, saberes e práticas que têm seus professores sobre a avaliação? Esses questionamentos se apoiam na ideia de que a escola possui um certo grau de autonomia que Benavente (1990) chama de “espessura do mundo escolar” e do qual podem emergir os contextos facilitadores ou bloqueadores de qualquer processo de mudança. A escola (tem ou pode ter), sim, um peso significativo na implementação (ou não) das mudanças. No entanto, a existência de forças impulsionadoras ou repressoras na instituição escolar não é suficiente para a ocorrência de mudanças. É necessário, ainda, que haja disposição do professor para realiza-la. Benavente argumenta que mudanças nas práticas, valores e atitudes podem ser mais complexas que as mudanças na estrutura. Assim, a lei pode estabelecer normas, critérios e orientações para alterações das práticas; porém elas só se efetivamente se concretizarão se os profissionais da escola tiverem muita clareza e consciência das conseqüências decorrentes dessas mudanças (CASTRO; CARVALHO, 2002, p. 186).
A afirmação de que as mudanças pedagógicas (clicar na barra ativa situada abaixo do ícone microfone para abrir caixa de idiomas) sempre supõem uma transformação das idéias e das atitudes também é preconizada por teóricos como Postic (1992), Fullan (1986) e Cardinet & Weiss (1979). Eles ressaltam que é no interior das instituições escolares que se define o futuro delas. Assim, é neste interior que as condições subjetivas para o alcance de qualquer mudança encontram seu pólo central. Sendo assim, uma das condições para que o novo modelo de avaliação se concretize em princípios mais democráticos é não negar o instituído da escola: sua história, as crenças e valores dos seus autores, a diversidade cultural nela presente. É preciso, em conseqüência, valorizar as diferenças étnicas, culturais e religiosas, seu currículo, seu projeto pedagógico, suas formas de trabalho e modo de organização. Há ainda outras condições que devem sustentar um modelo de avaliação pautado em princípios mais democrático, como o fortalecimento do trabalho dos professores, a colaboração entre eles, a integração dos pais e demais integrantes da equipe escolar nas discussões e decisões sobre uma nova forma de pensar a avaliação e, principalmente, o incentivo a uma prática educativa menos voltada para a competição e mais direcionada para a participação. Depois dos séculos de embate entre analfabetismo e “currículo oculto”, onde as minorias são as vítimas em potencial para portas que não se abrem para os seus sonhos e que, pelo contrário mais aumenta a fila dos que se sucumbem nos vários descaminhos daqueles quem perderam a batalha diária pela sobrevivência com os parcos recursos da força de vontade hercúlea, mas que não habilita para a realidade do mercado de trabalho a procura de mão de obra especializada ou com mais tempo de escolarização.
Questões saídas dos riscos da desconfiança entre culturas, povos, etnias nos leva a interrogação da busca das identidades próprias saída da confrontação ou do diálogo entre tais culturas? Como alcançar uma cultura de paz num mundo de culturas subjugadas? Como as novas identidades reunidas no discurso contra-hegemônico podem evidenciar o reconhecimento da própria identidade sem o enquadramento midiático da prática de segregação ou isolamento, quando o seu papel seria o de mediador para o diálogo das culturas a partir da imparcialidade, porém o que vemos adentrar as nossas salas, principalmente, são os fatos tendenciosos fomentando a dissuasão pelo medo da deterioração do tecido social e, assim, corroborando com interesses dissociados de ética humanista. Quando poderemos dizer que estamos nos aproximando ao ideal da tão sonhada utopia da democracia racial, da universalização da educação em todos os níveis, da humanização dos processos sociais que levam a concentração de renda de uma minoria e a fome para a maioria, a partir da consciência da necessidade de um trabalho desde a infância até o terceiro grau, onde a educação continuada com objetivos do desenvolvimento humano em nome de uma ordem social orientada no reconhecimento do outro e nas suas diferenças de cultura, etnia, religião, gênero, classe social, idade, superando a desigualdade: este é o maior objetivo da educação. Portanto, lutar por essa nova ordem social é preciso educar contra a barbárie do desdém generalizado que impera na nossa cultura sem ética, o que exige uma perspectiva de formação cultural que assegure sua dimensão de experiência crítica. Essa análise provoca reflexões: É possível uma educação crítica dessa cultura em que não mais nos reconhecemos? Como pensar a formação do novo milênio numa direção em que repense o passado e os despojos da cultura? Como defender uma perspectiva de formação cultural crítica sem perder-se da visão que a cultura construiu e fortaleceu como monumento da barbárie?
Enquanto no caso de persuasão convencemos alguém usando argumentos, abertos para a possibilidade da discordância e, portanto, do pensamento divergente, a violência simbólica leva as pessoas a agir e pensar por imposição, sem se darem conta dessa coação. Nesse sentido, a cultua e os sistemas simbólicos em geral podem se tornar instrumento de poder quando legitimam a ordem vigente e tornam homogêneo o comportamento social. Para Bourdieu e Passeron, a escola constitui um instrumento de violência simbólica porque reproduz os privilégios existentes na sociedade, beneficiando os já socialmente favorecidos. O acesso à educação, o sucesso escolar, a possibilidade de escolaridade prolongada até a universidade estão reservados àqueles cujas famílias pertencem à classe dominante, ou seja, aos herdeiros de sistemas privilegiados. Não cabe à escola promover a democratização e possibilitar a ascensão social; ao contrário, ela reafirma os privilégios existentes. A escola limita-se a confirmar e reforçar um “habitus” de classe. Os habitus são inculcados desde a infância por um trabalho pedagógico realizado primeiro pela família e posteriormente, pela escola, de modo que as normas de conduta que a sociedade espera de cada indivíduo sejam interiorizadas por ele. Logicamente, crianças saídas de universos distintos numa mesma classe, aqueles mais próximos da realidade dos professores vai se sentir mais à vontade, enquanto os vindos de classes desfavorecidas, é natural que fiquem desambientados diante da descontinuidade entre o ambiente familiar e o escolar. No entanto, é bastante freqüente a explicação de que as desigualdades com relação ao sucesso escolar resultam de “desigualdades naturais”. Segundo essa hipótese, o sucesso dos bons alunos decorre das qualidades inerentes, como aptidões, talentos, dotes, mérito pessoal. Para os crítico-reprodutivistas, esse tipo de justificativa representa uma forma de mistificação e de mascaramento das verdadeiras causas do insucesso escolar. O que essa “ideologia de dotes” dissimula é a imposição da cultura da classe dominante sobre a classe dominada, levada a efeito pela ação pedagógica. Essa imposição só é possível porque a autoridade pedagógica tem o poder de aplicar sanções, o que determina o reconhecimento da cultura dominante. Daí a importância do trabalho pedagógico, pelo qual a inculcada e propensa universalidade dos modos de pensar, agir e sentir de um grupo (ARANHA, 2006, p. 252).
Portanto, buscar na escola um ponto de encontro de todos os saberes é a tarefa de casa para aqueles que formatam os rumos da educação desses jovens aprisionados no analfabetismo da vulnerabilidade social e que, mais que autores de caminhos para os subprodutos da evasão escolar, da defasagem idade/série, da escola como espaço de preconceito, sintam-se atores no palco do medo generalizado da prática docente da relação interpessoal pautada mais pelo instrumental didático-metodológico somando-se as inferências que contaminam o “currículo oculto”; perdendo a autenticidade, o respeito e a empatia, característicos do humanismo cognoscente de Carl Rogers, por exemplo, quando adota ações didático-pedagógicas segundo estratégias que perdem a praticidade pela falta de habilidade de educadores da escola tradicional que considera o ato educativo essencialmente relacional e não individual (Ibidem, p. 246), portanto, em dissonância com a singularidade do perfil de educandos da realidade escolar encravada nas áreas de conflito armado, tráfico de drogas e da presença do Estado ainda de forma incipiente para a recuperação territorial, acarretando uma debilidade nas relações intra-muro pelo que o fluxo/refluxo extra-muro da relação escola/comunidade/pais e a falta do diálogo intermediador para uma nova prática da docência, levando-se em conta o perceptivo e o heteroperceptivo de educando/educador, escola/comunidade em nome de novos reflexos no quadro negativo da violência, da ignorância, da cognição, da falta justiça social e tantos outros itens que preconizou o mestre Darcy Ribeiro, “mais uma vez”.
BIBLIOGRAFIA
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LEITURA COMPLEMENTAR
ANDI e INSSTITUTO ALANA. Infância e Consumo: estudos no campo da comunicação. Informação – Programa de Cooperação para Qualificação de Estudantes de Jornalismo, 4ª edição, 07 artigos. RedeGife Online. Brasil: 17 de dezembro/2010. Disponível em <http://www.alana.org.br/banco_arquivos/Arquivos/downloads/ebooks/infancia-&-consumo-2010.pdf >
BELLONI, Maria Luiza e GOMES, Nilza Godoy. Infância, mídias e aprendizagem: autodidaxia e colaboração
Educ. Soc. , Campinas, vol. 29, n. 104 – Especial, p. 717-746, out. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v29n104/a0529104.pdf>
CINELLI, Nair Pereira Figueiredo. A influência do vídeo no processo de aprendizagem. Florianópolis, 2003. 74 f Dissertação, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção. Universidade de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis, 2003. Disponível em <http://www.ufsm.br/tielletcab/Nusi/HiperV/Biblio/PDF/8160.pdf >
OZAÍ, Antonio (*)
A escola como uma organização complexa – Por Maurício Tragtenberg
Disponível em <https://projetomuquecababys.wordpress.com/2009/07/01/a-escola-como-organizacao-complexa-por-mauricio-tragtenberg/>
(*) http://www.blogger.com/profile/02416965999815066511
FOLENA, Jorge. As crianças e a guerra declarada. Rio de Janeiro: Tribuna da Imprensa Online, em 4 dezembro/2010. Disponível em < http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=13680 >
OLIVEIRA, Eliana. Identidade, intolerância e as diferenças no espaço escolar: questões para debate, Revista Espaço Acadêmico, Ano I, nº 07, Dezembro/2001. Disponível em <http://www.espacoacademico.com.br/007/07oliveira.htm>
Dispõe sobre medidas para identificação e tratamento da dislexia na rede estadual de educação e dá outras providências. Disponível em <http://www.apad-dislexia.org.br/projetos.shtml>
Unicef/UERJ (Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro) – morte de 33 mil jovens de 2006 até 2012 por conta da violência urbana. Enquete sobre as possíveis causas da violência que tem como alvo principal jovens afrocescendentes com baixa escolaridade, moradores em comunidades carentes com idade entre 15 e 24 anos. Disponível em < https://projetomuquecababys.wordpress.com/2009/07/28/o-silencio-dos-justos/ >