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Prova de Fogo – Uma História de vida

Posted in Cinema, Educação, Violência Urbana with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on maio 18, 2010 by projetomuquecababys

By Luis Carlos “Rapper” Archanjo

A zoologia é um ramo da biologia que engloba todos os aspectos da biologia animal, inclusive relações entre animais e meio ambiente. O que diferencia o ser humano, animal racional, e os outros seres que existem no mundo é a sua capacidade de uso da linguagem e também inferir mudanças no ambiente, o que se constitui em cultura advinda da aprendizagem no intuito de satisfazer sua necessidade de sobrevivência. Sabemos do poder das palavras, da sua força negativa e positiva; afinal, as palavras podem libertar e oprimir, alegrar e entristecer, fazer viver e fazer morrer, incentivar ou esmorecer, aliviar e angustiar, amar e odiar, e, assim, tantas outras coisas mais. Ela é parte da nossa essência: com ela nos acercamos do outro, nos entregamos ou nos negamos, apaziguamos, ferimos, matamos e liquidamos negócios, amores. Porque, então,  quando ao se pensar nas causas do fracasso educacional, também não pensar na importância das palavras na relação aluno em formação e professor descontente com a prática docente?

“Nada está no intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos
(Aristóteles)

A linguagem dirige o nosso pensamento para direções específicas e, de alguma forma, ela nos ajuda a criar a nossa realidade potencializando ou limitando nossas possibilidades. Numa concepção progressista de educação, o filme Prova de Fogo, produzido e estrelado pelo ator Laurence Fishburne, Ângela Bassett e a menina Keke Palmer (clicar em games para conhecer os jogos usados e clicar em media para ouvir a trilha sonora – soundtrack-,  assistir e enviar o vídeo e o trailer 01 e 02), nos ajuda a ver as possibilidades de crianças com histórias de lares monoparentais com histórico de violência urbana desestruturando o processo de provimento de necessidades básicas pela incidência da violência caracterizada pelo sexo, faixa etária e raça, segundo estatísticas de causas de mortes não naturais nos grandes centros urbanos, ocorrendo a necessidade da mulher assumir tarefas do cuidado dos filhos e, ao mesmo tempo entra no mercado de trabalho formal ou informal para o sustento da casa. Por falta de tempo, do conhecimento formal do conteúdo escolar para participar na educação do aluno-criança, esta cumpre o seu papel discente segundo fatores de seu interesse em superar o determinismo da sua condição social ou se tornar mais um nos dados estatísticos de processos da desescolarização.

Após se surpreendida pelo diretor engalfinhando-se com duas outras meninas, não sendo percebido pelo diretor a sua condição de vítima de bullying  [¹]   [2] pelo fato de ser uma boa aluna, é convidada a acompanha-lo até sua sala e, ao mesmo tempo, formalmente consultada sobre representar a escola no concurso nacional de soletração. Como resposta diz: “Quem gostaria de representar uma escola que não tem portas na privada do banheiro?” Ocupando a mesma sala encontra-se um velho amigo de faculdade, PhD em Literatura e ex-participante do concurso na infância. Este reconhece o potencial da menina, propondo-se a orienta-la em suas deficiências na formação de palavras de origem estrangeira como o latim e o grego, por exemplo. Do conflito inicial entre o autodidatismo e as regras do orientador até a quase desclassificação na primeira eliminatória vem a constatação de problemas de linguagem, os familiares e as mazelas sociais de uma circunscrição com situações típicas da falta de oportunidades a produzir desigualdades educacionais em escala mais humana do que para os circunscritos nos bolsões da pobreza tupiniquim levando aos quadros do déficit educacional, retroalimentando o fracasso escolar e a barbárie instalada no desvão do poder público no cumprimento do seu papel social.

O longa-metragem abre aspas para a uma pequena consideração sobre a Didática aplicada pelo orientador, o que imbrica em questionar-se sobre a formação de professores, já que “quando falamos em formação docente sempre interessaram à didática, mas a estes se anexaram às questões da educação continuada, do ensino à distância, e da utilização de novas tecnologias no ensino presencial ou não” (CASTRO; CARVALHO, 2002: 14-15). Continuam os autores:

Novidades das últimas décadas, os estudos do cotidiano escolar através das abordagens etnográficas, por exemplo, iluminaram problemas antes ignorados e  tabus como o que envolvia em silêncio a educação sexual e o preconceito racial estão sendo derrubados. Amplia-se de modo promissor o campo de investigação da área da prática do ensino, bastante diversificada e com predominância no setor do ensino de ciências. Muitas pesquisas aumentam o caráter interdisciplinar, entre as quais as do tipo psicopedagógico , versando sobre educação moral ou desenvolvimento cognitivo. As modalidades etnográficas permitem o exame de conjuntos escolares ou classes e admite-se a participação do pesquisador no processo. Verifica-se que os recursos teóricos são provenientes de diferentes áreas do conhecimento e seguem correntes diferenciadas, com predominância dos fundamentos psicológicos e, vê-se a constituição do campo da interdisciplinar da psicopedagogia. Porém, outras bases teóricas vêm sendo procuradas entre cientistas políticos, filósofos e sociólogos. Desde que suas teorias possam ser apropriadas pela didática em sua busca de esclarecer a realidade escolar, compreendê-la, e assim poder organizar melhor o processo ensino-aprendizagem.

Seja qual for a interpretação que se dê ao campo da Pedagogia, a ele pertence à Didática como garantia de seu compromisso com a educação. Se for entendido como um conjunto de disciplinas voltadas à educação, a Didática será uma delas: recorta o campo do ensino como seu domínio especial relacionado com todos os demais de uma área que abrange estudos históricos, filosóficos, políticos, sociológicos e psicologia aplicados à educação, bem como os problemas de política e financiamento da educação, as questões de organização e administração, de planejamento educacional e de toda a multidão de temas do papel da escola mediatizando práticas sociais. Ao longo do filme perpassam princípios de construção progressista que contribuem para construírem práticas pedagógicas inovadoras e emancipadoras e saberes docentes, sendo eles: considerar os conhecimentos prévios dos alunos; aprendizagem cooperativa; metacognição; motivação; autonomia; criticidade e criatividade como atitudes interdependentes e relações dialéticas entre pensamento e emoção; e toda uma visão da educação como instrumento para manobrar a experiência, para dominar novas situações constantes com que a mutabilidade da vida nos confronta. A nova geografia social da aceitação no clube da elite dos participantes do concurso; onde não se intimida e marca presença ativamente nos planejamentos de autogestão na aprendizagem através de jogos  com o uso de palavras e, assim, juntas constroem seu próprio desenvolvimento quando na ausência de orientadores com seu maior saber e experiência à disposição delas toda vez que chegam a um impasse. Tal como a existência civilizada, a educação deve ser uma experiência de grupo, ou seja, a educação como reconstrução da experiência leva a “reconstrução da natureza humana” num âmbito social, pois os indivíduos para se desenvolverem satisfatoriamente têm de crescer juntos [2].

Os progressistas sustentam que o amor e a associação são mais adequados a educação do que a concorrência e a luta pelo êxito pessoal, porque aqueles desenvolvem o lado social e superior da natureza. De que maneira o movimento conhecido como reconstrutuvismo desenvolveu esse aspecto do pensamento progressista, convertendo-o numa teoria de educação para a ação social? Contudo, o progressista não comunga na crença reconstrutivista de que a escola deveria doutrinar os seus alunos nos princípios de uma nova ordem social, já que segundo o progressista-pragmático John Dewey: “Uma democracia é um modo de existência associada, uma experiência conjunta e comunicada. A repartição da experiência entre todos é uma condição de desenvolvimento a qual por sua vez, exige educação”. Portanto, democracia, desenvolvimento e educação estão interligados.

“Quem me julga é Deus.  Ele é  quem  decide  quem ganha  e  quem perde. Não o meu adversário. Meus adversários não existem, porque são só vozes que discordam da minha verdade. Falemos a verdade”.
(Denzel Washington – O Grande Desafio)

Partilha é condição necessária na construção do “projeto pedagógico” devido a, pelo menos, dois motivos principais. Primeiro, para que o projeto seja democrático e não fruto de uma direção escolar autocrática ou individual, ainda que bem-intencionada; a democracia não é para ser ensinada verbalmente, mas exercitada no interior da escola, dia após dia. Segundo, porque partilha é a condição para o compromisso de cada um dos envolvidos e, portanto, garantia de que o projeto saia do papel e se realize em atos, práticas e resultados. Refletir regularmente a respeito das ações e estratégias desenvolvidas no cotidiano escolar, tende como referência às mudanças percebidas na sociedade e no caminhar da humanidade, assegura a cada um tornar-se contemporâneo do tempo presente e, assim, como melhorar condições, construir um projeto pedagógico de valor humanístico.  (Castro e Carvalho, 2002, p. 34). Para ensinar democracia, a própria escola deve ser democrática. Lógico que a interação entre pessoas não se faz pelo consenso, pela cooperação; havendo lugar para a tirania da maioria ou a de poucos, como há espaço para a coragem e persistência de indivíduos preparados para enfrentar a impopularidade por amor ao que acreditam ser justo.

Assim devemos assegurar-nos de que a nossa cooperação é livre e espontânea, em resumo, que não se converte em conformismo, mas, pelo contrário, sirva de mola propulsora para superação de fatores, aparentemente, deterministas na história pessoal de cada ser humano. Destaque para as cenas da primeira lição quando este solicita que a menina leia a citação contida em um quadro na parede da sala do seu orientador, ensaio do sociólogo William Eduard Burghart Du Bois ou W.E.B. Du Bois, o primeiro afro-americano a receber o título de PhD da Universidade de Harvard, questionando-a da mensagem sobre o medo, implícita nas palavras do autor, e do quanto era importante o estudo do que escreveram homens que fizeram o uso das palavras para mudar o mundo, como: Martin Luther King, Ghandi, J.F.K e Nelson Mandela. O ensaio de W.E.B Du Bois:

“O nosso maior medo não é de sermos inadequados. É que nos somos poderosos além do que podemos imaginar. É nossa luz, não nossa escuridão que mais nos assusta”. Nós nos perguntamos: “Quem sou eu para ser brilhante, lindo, talentoso, fabuloso?” Na verdade quem é você para não ser? Você é um filho de Deus. Pensar pequeno não ajuda o mundo. Não há nenhuma bondade em se diminuir, recuar para que outros não se sintam inseguros ao seu redor. Todos nós fomos feitos para brilhar, como crianças brilham. Nós nascemos para manifestar a glória de deus entre nós. Não somente alguns, mas todos, enquanto nós permitimos que nossa luz brilhe, nós inconscientemente damos permissão a outros para fazer o mesmo. Enquanto nos libertamos do nosso próprio medo, nossa presença, automaticamente, liberta outros”.

As cenas da trajetória da menina dá o tom do final do filme, onde a soletração da palavra amor (L-O-V-E) consagra a mobilização de todos, da circunscrição social em que está inserida, em torno de um projeto pessoal que ao mesmo tempo tornar-se um projeto coletivo que a todos contagia e se faz sinônimo de concepção filosófico-pedagógica fundada na cooperação, no consenso da mediação em detrimento à competição, na auto-superação, no espelhamento, respeito à cultura acumulada ao longo do histórico sociocultural, respeito ao saber do aluno, na aprendizagem não diretiva e sem as dinâmicas da inculcação “conta bancária” e outras considerações necessárias à confrontação com práticas docentes sem poder de persuasão ante o chamado das mídias interativas e sua educação não formal e  informal paralela. Ou seja, a capacidade do indivíduo sobrepor-se e construir-se positivamente sobre as adversidades; que em ciências sociais é definido como resiliência, ou a capacidade de um indivíduo em possuir uma conduta sã em um ambiente insano.

Título no Brasil: Prova de Fogo – Uma História de Vida
Título Original: Askeelah and the Bee
Atores: Laurence Fishburne, Angela Bassett e Keke Palmer
Diretor: Doug Atchison
Gênero: Drama
Ano de Lançamento: 2006

LEITURA COMPLEMENTAR

http://food-force.educacional.com.br/realidade.html
http://food-force.educacional.com.br/professores.html
http://food-force.educacional.com.br/comoajudar.html