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Mau preparo de professor atrapalha ensino de literatura afro

Posted in Educação with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on dezembro 8, 2010 by projetomuquecababys

By Marina Morena Costa

Educadores afirmam que há boas obras e materiais didáticos disponíveis, mas docentes ainda não sabem como trabalhá-los em sala de aula.

Uma menina negra, com vasta cabeleira, tenta entender por que seu cabelo não para quieto. Ela encontra um livro sobre países africanos e passa a compreender a relação entre seus cachos e a África. A história é contada no livro “Cabelo de Lelê”, de Valéria Belém, e segundo a pedagoga e pesquisadora Lucilene Costa e Silva, um dos bons exemplos de literatura afro-brasileira infantil.

“Nas séries iniciais, as crianças estão construindo a identidade. Ter acesso a obras que mostrem personagens como ela é fundamental”, avalia. Lucilene dá aula há 20 anos na rede pública de ensino do Distrito Federal e conta que sentia falta da imagem negra nos livros de literatura infantil. “Cheguei a contar a história `Chapeuzinho Vermelho’ usando uma boneca negra com capuz vermelho. Hoje sei que isso não é mais necessário.

A África tem histórias, personagens e enredos lindíssimos.” Atendendo a Lei 10.639, que determina o ensino de cultura afro-brasileira nas escolas, o Ministério da Educação (MEC) e as secretarias municipais e estaduais de ensino têm cada vez mais distribuído obras e vídeos protagonizados por personagens negras ou que abordam a diversidade étnico-racial. “É visível o aumento na quantidade de material didático e para-didático disponível sobre o tema após a implantação da lei”, afirma Luciano Braga, professor de Artes há 15 anos das redes municipal e estadual de São Paulo e co-autor, junto com Elizabeth Melo, do livro “História da África e afro-brasileira – em busca das nossas origens“, lançado em 13 de maio de 2010.

Educadores afirmam que a literatura infantil sobre diversidade étnica ajuda a combater a discriminação racial O professor conta que obras com contos e lendas africanas são uma novidade recente nas duas escolas onde dá aulas. “Estamos recebendo livros nos quais o herói é uma criança negra ou onde há personagens brancos e negros. A questão não é valorizar uma cultura ou outra e sim fazer com que a criança se sinta pertencente ao meio. É assim que combatemos a discriminação”, ressalta. Da mesma forma que contos de fada e histórias europeias são narrados em sala de aula, histórias e lendas africanas e indígenas devem ser apresentadas, defende o professor. No livro infantil “Betina”, de Nilma Lino Gomes, uma avó trança os cabelos da neta e conversa sobre seus ancestrais.

“Na África as tranças têm diferentes significados e o cabelo é muito importante para a mulher. Está ligado à identidade”, explica Lucilene. Quando a professora terminar de contar a história de Betina, uma menina de rosto redondo, olhos negros e cabelo todo trançado, os alunos ficam encantados. “Todas as crianças, negras e brancas, querem ser a Betina”, conta. Formação de professores Lucilene desenvolve pesquisa de mestrado na Universidade de Brasília (UnB) sobre a presença da literatura afro-brasileira no Programa Nacional Biblioteca da Escola do MEC, que distribui obras de literatura, pesquisa e referência para as escolas públicas brasileiras. Apesar de o ministério não ter um levantamento específico das obras que abordam essa temática, a pesquisadora afirma que os livros estão presentes no catálogo oferecido.

“É um avanço, mas em muitas escolas do DF as obras chegam e ficam encaixotadas, porque os professores não sabem como trabalhá-las”, afirma. Em São Paulo, Braga promove palestras e oficinas sobre diversidade étnica e encontra o mesmo problema: materiais didáticos deixados de lado porque os professores não sabem como usá-los. A coordenadora da área de diversidade do MEC – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) –, Leonor Franco, reconhece que o principal entrave para a aplicação da lei é a formação dos professores. “O nó da questão é a qualificação, a formação de professores e gestores. Não basta capacitar só os professores, tem que sensibilizar todos os funcionários da escola, os diretores, o secretário de educação. Não adianta colocar livro na escola se o professor não souber o que fazer com aquilo”, afirma.

Segundo Leonor, grande parte do problema está no ensino superior. A temática e o conteúdo da diversidade étnico-racial não estão nos cursos de licenciatura: “Nossa formação continuada é quase uma formação inicial”, critica. Outro desafio é a ampliação de parcerias para oferecer cursos de capacitação. Atualmente os editais do MEC são voltados apenas para instituições de ensino superior federais e estaduais. “Temos secretarias de ensino que têm condições de promover capacitação. O resultado é que a gente tem tido dinheiro (na Secad), mas poucos projetos bons para formação de professores.”

Salloma Salomão, músico e doutor em História Social pela PUC-SP, atua na formação de docentes pela rede de educadores Aruanda Mundi. Nos últimos cinco anos, cerca de 3 mil professores de mais de cinco estados diferentes foram capacitados. “Faltam investimentos das secretarias em projetos formativos sistemáticos e de longa duração”, aponta. Segundo Salomão, os cursos oferecidos pela Aruanda têm duração mínima de 120 horas, mas o ideal seria 360 horas e dois anos de duração. O historiador destaca a importância do uso das tecnologias na capacitação dos docentes. Por meio de plataformas da internet, Salomão promove a interação de professores brasileiros com africanos, principalmente de países de língua portuguesa.

“Falar de África não significa tirar o sapato e pisar na terra. Há inúmeras possibilidades com o uso da tecnologia. Precisava de um mapa étnico-linguístico da África e um pesquisador da universidade de Coimbra nos forneceu o material. É um processo de aprendizagem com o que há de mais contemporâneo.” Veja a lista de obras de literatura afrobrasileira para crianças indicadas pela professora Lucilene Costa e Silva, pesquisadora de literatura infantil afro-brasileira:

LITERATURA INFANTIL AFRO-BRASILEIRA

ABC do continente africano –Rogério A. Barbosa – Editora SM ; Anansi, o velho sábio – Um conto Axanti recontado por Kaleki – Editora Companhia das Letrinhas; A noite e o Maracatu – Fabiano dos Santos – Editora Edições Demócrito Rocha; Ao sul da África – Laurence Questin – Catherine Reisser – Companhia das Letrinhas; A serpente de Olumo – Ieda de Oliveira – Editora Cortez Editora; Betina – Nilma Lino Gomes – Mazza Edições; Chuva de Manga – James Rumford – Editora brinque Book; Conta fabulas – Bob Hortman e Susie Poule – Brinque – Book; Contos Africanos – Albertino bragança – Editora Ática; Doce princesa Negra- Solange Cianni- Editora-L.G.E; Era uma vez na África – Jean Angelles – Editora LGE ; Euzebia Zanza – Camila Fillinger – Editora Girafinha; Gente que mora dentro da gente – Jonas Ribeiro-Editora Dimensão; Histórias da Preta – Heloisa Pires Lima – Editora Companhia das Letrinhas; Ifá, o advinho; Xango, o Trovão; Oxumarê, O Arco-iris – Raginaldo Prandi – Editora Companhia das Letrinhas; Krokô e Galinhola – Um conto africano por Mate – Editora Brinque-Book; Lendas Africanas. E a força dos tambores cruzou o mar – Denise Carreira – Editora Salesiana; Luana, a menina que viu o Brasil neném – Oswaldo Faustin0, Arthut Garcia e Aroldo Macedo – Editora FTD; Manu da noite enluarada – Lia Batz – Editora Biruta; Menina Bonita do Laço de Fita – Ana Maria Machado – Editora Ática; Na minha escola todo mundo é igual – Rossana Ramos e Priscila Sanson – Editora Cortez; Nina África – Lenice Gomes, Arlene Holanda e Clayson Gomes – Editora Elementar; Não chore não – Rogerio Andrade barbosa – Ed. larousse Jr.; Orelhas de Mariposa – Luiza Aguilar e Andre Neves – Ed. Callis; O Cabelo de Lelê – Valéria Belém – Ibep Nacional; O dia em que Ananse espalhou a sabedoria pelo mundo – Eraldo Miranda – Editora Elementar; O funil Encantado – Jonas Ribeiro – Ed Dimensão; O livro da paz – Todd Parr- Ed. Panda-Book; O mapa – Marilda Castanha – Ed. Dimensão; Os nove pentes D`África – Cidinha da Silva – Mazza Edições; O presente de Ossanha – Joel Rufino dos Santos- Ed. Global; Os tesouros de Monifa – Sonia Rosa – Ed Brinque-Book; O velho que trazia a noite – Sergio Capparelli – Ed. Global; Por que somos de cores diferentes? – Carmem Gil- Ed. Girafinha; Que mundo maravilhoso – Julius Lester e Joe Cepeda – Ed. Brinque Book ; Tenka – Preta  pretinha – Lia Batz – Editora Biruta; Todas as crianças da terra – Sidónio Muralha – Ed. Global; Tudo bem ser diferente – Todd Parr – Panda Books; Uma menina e as diferenças – Maria de Lourdes Stamato de Camilis – Ed. Biruta; Vana e Marrom de terra – Lia Batz – Ed. Biruta Viver diferente – Lilian Gorgozinho – Ed. L.G. E Editora;

LITERATURA INFANTO-JUVENIL AFRO-BRASILEIRA

Brasil em preto e branco – Denise Rochael – Editora Cortez; Cabelo Ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar – Neusa Baptista Pinto – Editora Tanta Tinta; Contos Africanos dos Países de  Língua Portuguesa – vários autores – Editora Ática; Duvula – A mulher caníbal (Um conto africano) – Rogerio Andrade – DCL; E agora? – Odete de Barros Mott – Atual; Esmeralda – Por que não danceiEsmeralda Ortiz – Editora Senac; Espelho dourado – Heloisa Pires Lima – Peirópolis; Falando Banto – Eneida D. Gaspar – Editora Pallas; Histórias da Preta – Heloísa Pires Lima – Editora Companhia das lerinhas; Irmão negro – Valcyr Rodrigues Carrasco – Moderna – Disponível em < http://www.4shared.com/office/loCy5LEv/Walcyr_Carrasco_-_Irmo_Negro.html>; Meia dura de sangue seco – Lourenço Cazarré – Editora LGE; Menino parafuso – Ângelo Abu – Autêntica; Minhas contas – Luiz Antônio – Cosac Naif; Na cor da pele – Júlio Emílio Braz – Editora José Olimpio; O casamento da princesa – Celso Sisto – Editora Primo; O  comedor de nuvens – Heloisa Pires Lima – Paulinas; O guardião da folia – Rogerio Andrade Barbosa – Editora FTD; O papagaio que não gostava de mentirasOs orixás e o segredo da vida – Mario Cesar Barcellos – Pallas; Os reizinhos de Congo – Edimilson Almeida Pereira – Ed. Paulinas; Princesa Arabela: Mimada que só ela – Milo Freeman – Ática; Tem gente com fome – Solano Trindade – Ed. Nova Alaxandria; Tequinho – Menino do Samba – N. Rodrigues & Alex Oliveira – Editora Rovelle; Uma ideia luminosa – Rogério Andrade Barbosa – Pallas.

LEITURA COMPLEMENTAR

ARCHANJO, Luis Carlos “Rapper”. As causas do fracasso escolar. Disponível em:  <https://projetomuquecababys.wordpress.com/2010/05/06/as-causas-do-fracasso-escolar/> Acesso em 04/07/2011.

BOLETIM FAMALIÁ – O Boletim Famaliá é uma iniciativa da Famaliá Produções LTDA. que objetiva divulgar as principais notícias relativas ao universo das culturas populares e dos povos e comunidades tradicionais. As notícias são captadas através de uma grande rede de informantes e serão atualizadas frequentemente no sítio http://www.famalia.com.br/?cat=3 Informações poderão ser obtidas e colaborações poderão ser feitas através do endereço famalia@terra.com.br.

BRAGA, Alexandre Francisco. Educação Afro Indígena: caminhos para a construção de uma sociedade igualitária. Revista FACED,  n. 15, Salvador, jan,/jul. 2009, p. 127-141  Disponível em < http://www.portalseer.ufba.br/index.php/rfaced/article/view/3257/3523>

CAVALLEIRO, Eliane. Por um Estado que proteja as crianças negras do apedrejamento moral no cotidiano escolar. Geledes Instituto da Mulher Negra, Portal Geledes. Disponível em:

<http://www.geledes.org.br/em-debate/dia-da-consciencia-negra-por-um-estado-que-proteja-as-criancas-negras-do-apedrejamento-moral-no-cotidiano-escolar-20/11/2010.html>

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JOVINO, Ione da Silva. Literatura Infanto-Juvenil com Personagens Negros no Brasil. Disponível em < href=”http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/literatura%20afrobrasileira_cV.pdf”>http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/literatura%20afrobrasileira_cV.pdf >

OLIVEIRA, Eliana. Identidade, intolerância e as diferenças no espaço escolar: questões para debate, Revista Espaço Acadêmico, Ano I, nº 07, Dezembro/2001. Disponível em <http://www.espacoacademico.com.br/007/07oliveira.htm >

Salloma Salomão – Aruanda Mundi http://aruandamundi.ning.com/?xg_source=msg_mes_network

Entre os Muros da Escola

Posted in Cinema with tags , , , , , , , , on junho 4, 2009 by projetomuquecababys
By Renato Silveira
Uma das inúmeras fórmulas narrativas que o cinema, não só o americano, recicla de tempos em tempos, talvez desde “Ao Mestre, Com Carinho” (clássico com Sidney Poitier, de 1967), é a do “filme de professor”. Você sabe: um professor se vê diante de uma turma de alunos desordeiros e acredita que conseguirá “domá-los”, mesmo que seus colegas de docência tentem desanimá-lo. Entre esses alunos estão arquétipos facilmente identificáveis: o menino que tem problemas com os pais, aquele outro que é mais tímido, uma garota que é a porta-voz da turma, o bagunceiro de plantão, e por aí vai.

Pode-se dizer que “Entre os Muros da Escola” (que venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2008) também é um “filme de professor”. Porém, o cineasta francês Laurent Cantet, aqui em seu quarto longa, faz uma abordagem totalmente diferente daquela estrutura comumente usada. Seu filme é mais focado na geografia de uma sala de aula, isto é, nas múltiplas relações entre aquele ambiente e as pessoas que ali convivem, e, claro, também nas relações entre aqueles personagens: alunos e professor, alunos e alunos, professor e professores, professor e pais e, por fim, alunos e pais.

É um escopo muito mais abrangente e complexo, que coloca o espectador como observador invisível e onipresente da rotina “entre os muros” durante um ano letivo (a única tomada fora da escola é a primeira, que mostra o professor François Marin chegando para o primeiro dia de aula). A lente de Cantet se comporta como olhar documental, algumas vezes vindo de uma carteira na fileira anterior àquela onde acontece uma discussão entre alunos, outras partindo do corredor dois andares acima do pátio onde os garotos jogam bola no recreio. A direção é bastante crua, realista, não recorre nem mesmo a uma trilha sonora. O máximo de intervenção a que Cantet chega é numa cena em que um aluno lê um texto diante da classe e o faz olhando para a câmera.

Em pouco mais de duas horas que passam voando, “Entre os Muros da Escola” é envolvente não só por seu realismo gritante (todos no elenco são professores, alunos e pais também na vida real, embora não estejam interpretando a si mesmos – passaram por um workshop a la Fátima Toledo), mas também pela forma como as subtramas se delineiam. Se num típico “filme de professor” você tem as histórias de cada um daqueles arquétipos claramente demarcadas, aqui o roteiro co-escrito por Cantet e François Bégaudeau (autor do livro que inspira o filme e também intérprete do professor protagonista) trabalha um grau de nuança que não força ou dita a “boa moral”. Não são oferecidas redenções ou conclusões, não há a “lição aprendida”. Se alguns dos enredos ali emaranhados chegam a seus finais (como o caso do intransigente Souleymane), fica a sensação de que aquelas são situações naturalmente resolvidas, e não tramas hermeticamente fechadas, de início-meio-fim.

É por essa razão que o personagem do professor François fascina, simplesmente por ser um ser humano: ele é o “herói” que tenta salvar aquela turma do caos, mas não é isento de falhas e também se converte em “vilão” ao quebrar a linha de conduta com os alunos em pelo menos dois momentos. Contudo, seu método de aprendizagem não deixa de ser admirável: estimular o conhecimento do aluno, e não apenas passar a lição de casa, dar ou tirar pontos e esperar o sinal tocar. E o que revela a fragilidade por trás da postura agressiva de alguns daqueles jovens (claramente um mecanismo de defesa) são os momentos em que François tenta valorizar um trabalho bem feito, mas os próprios alunos parecem não ter auto-estima para se valorizarem.

O que importa para François e para o filme é como as vidas daqueles adolescentes convergem para a sala de aula, como suas experiências implicam em seu aprendizado. É o que o professor busca trabalhar com a tarefa do autoretrato – por sinal, algo que o próprio Cantet acaba fazendo em relação ao ambiente estudantil na França e que, sem dúvidas, encontra ecos do outro lado do Atlântico.

Ficha Técnica

Entre os Muros da Escola (Entre les Murs, 2008, França)
Direção: Laurent Cantet;
Roteiro: Laurent Cantet, Robin Campillo, François Bégaudeau (baseado no livro de François Bégaudeau);
Fotografia: Pierre Milon, Catherine Pujol, Georgi Lazarevski;
Montagem: Robin Campillo, Stéphanie Léger;
Produção: Caroline Benjo, Carole Scotta, Barbara Letellier, Simon Arnal;
Atores: François Bégaudeau, Nassim Amrabt, Laura Baquela, Cherif Bounaïdja, Juliette Demaille, Wei Huang, Franck Keïta, Justine Wu, Rachel Régulier, Esméralda Ouertani, Boubacar Touré;
Estúdio: Haut et Court, France 2 Cinéma, Canal +;
Distribuição: Imovision. 128 min

http://www.cinematorio.com.br/2009/03/entre-os-muros-da-escola.html