By Marina Morena Costa
Educadores afirmam que há boas obras e materiais didáticos disponíveis, mas docentes ainda não sabem como trabalhá-los em sala de aula.
Uma menina negra, com vasta cabeleira, tenta entender por que seu cabelo não para quieto. Ela encontra um livro sobre países africanos e passa a compreender a relação entre seus cachos e a África. A história é contada no livro “Cabelo de Lelê”, de Valéria Belém, e segundo a pedagoga e pesquisadora Lucilene Costa e Silva, um dos bons exemplos de literatura afro-brasileira infantil.
“Nas séries iniciais, as crianças estão construindo a identidade. Ter acesso a obras que mostrem personagens como ela é fundamental”, avalia. Lucilene dá aula há 20 anos na rede pública de ensino do Distrito Federal e conta que sentia falta da imagem negra nos livros de literatura infantil. “Cheguei a contar a história `Chapeuzinho Vermelho’ usando uma boneca negra com capuz vermelho. Hoje sei que isso não é mais necessário.
A África tem histórias, personagens e enredos lindíssimos.” Atendendo a Lei 10.639, que determina o ensino de cultura afro-brasileira nas escolas, o Ministério da Educação (MEC) e as secretarias municipais e estaduais de ensino têm cada vez mais distribuído obras e vídeos protagonizados por personagens negras ou que abordam a diversidade étnico-racial. “É visível o aumento na quantidade de material didático e para-didático disponível sobre o tema após a implantação da lei”, afirma Luciano Braga, professor de Artes há 15 anos das redes municipal e estadual de São Paulo e co-autor, junto com Elizabeth Melo, do livro “História da África e afro-brasileira – em busca das nossas origens“, lançado em 13 de maio de 2010.
Educadores afirmam que a literatura infantil sobre diversidade étnica ajuda a combater a discriminação racial O professor conta que obras com contos e lendas africanas são uma novidade recente nas duas escolas onde dá aulas. “Estamos recebendo livros nos quais o herói é uma criança negra ou onde há personagens brancos e negros. A questão não é valorizar uma cultura ou outra e sim fazer com que a criança se sinta pertencente ao meio. É assim que combatemos a discriminação”, ressalta. Da mesma forma que contos de fada e histórias europeias são narrados em sala de aula, histórias e lendas africanas e indígenas devem ser apresentadas, defende o professor. No livro infantil “Betina”, de Nilma Lino Gomes, uma avó trança os cabelos da neta e conversa sobre seus ancestrais.
“Na África as tranças têm diferentes significados e o cabelo é muito importante para a mulher. Está ligado à identidade”, explica Lucilene. Quando a professora terminar de contar a história de Betina, uma menina de rosto redondo, olhos negros e cabelo todo trançado, os alunos ficam encantados. “Todas as crianças, negras e brancas, querem ser a Betina”, conta. Formação de professores Lucilene desenvolve pesquisa de mestrado na Universidade de Brasília (UnB) sobre a presença da literatura afro-brasileira no Programa Nacional Biblioteca da Escola do MEC, que distribui obras de literatura, pesquisa e referência para as escolas públicas brasileiras. Apesar de o ministério não ter um levantamento específico das obras que abordam essa temática, a pesquisadora afirma que os livros estão presentes no catálogo oferecido.
“É um avanço, mas em muitas escolas do DF as obras chegam e ficam encaixotadas, porque os professores não sabem como trabalhá-las”, afirma. Em São Paulo, Braga promove palestras e oficinas sobre diversidade étnica e encontra o mesmo problema: materiais didáticos deixados de lado porque os professores não sabem como usá-los. A coordenadora da área de diversidade do MEC – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) –, Leonor Franco, reconhece que o principal entrave para a aplicação da lei é a formação dos professores. “O nó da questão é a qualificação, a formação de professores e gestores. Não basta capacitar só os professores, tem que sensibilizar todos os funcionários da escola, os diretores, o secretário de educação. Não adianta colocar livro na escola se o professor não souber o que fazer com aquilo”, afirma.
Segundo Leonor, grande parte do problema está no ensino superior. A temática e o conteúdo da diversidade étnico-racial não estão nos cursos de licenciatura: “Nossa formação continuada é quase uma formação inicial”, critica. Outro desafio é a ampliação de parcerias para oferecer cursos de capacitação. Atualmente os editais do MEC são voltados apenas para instituições de ensino superior federais e estaduais. “Temos secretarias de ensino que têm condições de promover capacitação. O resultado é que a gente tem tido dinheiro (na Secad), mas poucos projetos bons para formação de professores.”
Salloma Salomão, músico e doutor em História Social pela PUC-SP, atua na formação de docentes pela rede de educadores Aruanda Mundi. Nos últimos cinco anos, cerca de 3 mil professores de mais de cinco estados diferentes foram capacitados. “Faltam investimentos das secretarias em projetos formativos sistemáticos e de longa duração”, aponta. Segundo Salomão, os cursos oferecidos pela Aruanda têm duração mínima de 120 horas, mas o ideal seria 360 horas e dois anos de duração. O historiador destaca a importância do uso das tecnologias na capacitação dos docentes. Por meio de plataformas da internet, Salomão promove a interação de professores brasileiros com africanos, principalmente de países de língua portuguesa.
“Falar de África não significa tirar o sapato e pisar na terra. Há inúmeras possibilidades com o uso da tecnologia. Precisava de um mapa étnico-linguístico da África e um pesquisador da universidade de Coimbra nos forneceu o material. É um processo de aprendizagem com o que há de mais contemporâneo.” Veja a lista de obras de literatura afrobrasileira para crianças indicadas pela professora Lucilene Costa e Silva, pesquisadora de literatura infantil afro-brasileira:
LITERATURA INFANTIL AFRO-BRASILEIRA
ABC do continente africano –Rogério A. Barbosa – Editora SM ; Anansi, o velho sábio – Um conto Axanti recontado por Kaleki – Editora Companhia das Letrinhas; A noite e o Maracatu – Fabiano dos Santos – Editora Edições Demócrito Rocha; Ao sul da África – Laurence Questin – Catherine Reisser – Companhia das Letrinhas; A serpente de Olumo – Ieda de Oliveira – Editora Cortez Editora; Betina – Nilma Lino Gomes – Mazza Edições; Chuva de Manga – James Rumford – Editora brinque Book; Conta fabulas – Bob Hortman e Susie Poule – Brinque – Book; Contos Africanos – Albertino bragança – Editora Ática; Doce princesa Negra- Solange Cianni- Editora-L.G.E; Era uma vez na África – Jean Angelles – Editora LGE ; Euzebia Zanza – Camila Fillinger – Editora Girafinha; Gente que mora dentro da gente – Jonas Ribeiro-Editora Dimensão; Histórias da Preta – Heloisa Pires Lima – Editora Companhia das Letrinhas; Ifá, o advinho; Xango, o Trovão; Oxumarê, O Arco-iris – Raginaldo Prandi – Editora Companhia das Letrinhas; Krokô e Galinhola – Um conto africano por Mate – Editora Brinque-Book; Lendas Africanas. E a força dos tambores cruzou o mar – Denise Carreira – Editora Salesiana; Luana, a menina que viu o Brasil neném – Oswaldo Faustin0, Arthut Garcia e Aroldo Macedo – Editora FTD; Manu da noite enluarada – Lia Batz – Editora Biruta; Menina Bonita do Laço de Fita – Ana Maria Machado – Editora Ática; Na minha escola todo mundo é igual – Rossana Ramos e Priscila Sanson – Editora Cortez; Nina África – Lenice Gomes, Arlene Holanda e Clayson Gomes – Editora Elementar; Não chore não – Rogerio Andrade barbosa – Ed. larousse Jr.; Orelhas de Mariposa – Luiza Aguilar e Andre Neves – Ed. Callis; O Cabelo de Lelê – Valéria Belém – Ibep Nacional; O dia em que Ananse espalhou a sabedoria pelo mundo – Eraldo Miranda – Editora Elementar; O funil Encantado – Jonas Ribeiro – Ed Dimensão; O livro da paz – Todd Parr- Ed. Panda-Book; O mapa – Marilda Castanha – Ed. Dimensão; Os nove pentes D`África – Cidinha da Silva – Mazza Edições; O presente de Ossanha – Joel Rufino dos Santos- Ed. Global; Os tesouros de Monifa – Sonia Rosa – Ed Brinque-Book; O velho que trazia a noite – Sergio Capparelli – Ed. Global; Por que somos de cores diferentes? – Carmem Gil- Ed. Girafinha; Que mundo maravilhoso – Julius Lester e Joe Cepeda – Ed. Brinque Book ; Tenka – Preta pretinha – Lia Batz – Editora Biruta; Todas as crianças da terra – Sidónio Muralha – Ed. Global; Tudo bem ser diferente – Todd Parr – Panda Books; Uma menina e as diferenças – Maria de Lourdes Stamato de Camilis – Ed. Biruta; Vana e Marrom de terra – Lia Batz – Ed. Biruta Viver diferente – Lilian Gorgozinho – Ed. L.G. E Editora;
LITERATURA INFANTO-JUVENIL AFRO-BRASILEIRA
Brasil em preto e branco – Denise Rochael – Editora Cortez; Cabelo Ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar – Neusa Baptista Pinto – Editora Tanta Tinta; Contos Africanos dos Países de Língua Portuguesa – vários autores – Editora Ática; Duvula – A mulher caníbal (Um conto africano) – Rogerio Andrade – DCL; E agora? – Odete de Barros Mott – Atual; Esmeralda – Por que não dancei – Esmeralda Ortiz – Editora Senac; Espelho dourado – Heloisa Pires Lima – Peirópolis; Falando Banto – Eneida D. Gaspar – Editora Pallas; Histórias da Preta – Heloísa Pires Lima – Editora Companhia das lerinhas; Irmão negro – Valcyr Rodrigues Carrasco – Moderna – Disponível em < http://www.4shared.com/office/loCy5LEv/Walcyr_Carrasco_-_Irmo_Negro.html>; Meia dura de sangue seco – Lourenço Cazarré – Editora LGE; Menino parafuso – Ângelo Abu – Autêntica; Minhas contas – Luiz Antônio – Cosac Naif; Na cor da pele – Júlio Emílio Braz – Editora José Olimpio; O casamento da princesa – Celso Sisto – Editora Primo; O comedor de nuvens – Heloisa Pires Lima – Paulinas; O guardião da folia – Rogerio Andrade Barbosa – Editora FTD; O papagaio que não gostava de mentiras – Os orixás e o segredo da vida – Mario Cesar Barcellos – Pallas; Os reizinhos de Congo – Edimilson Almeida Pereira – Ed. Paulinas; Princesa Arabela: Mimada que só ela – Milo Freeman – Ática; Tem gente com fome – Solano Trindade – Ed. Nova Alaxandria; Tequinho – Menino do Samba – N. Rodrigues & Alex Oliveira – Editora Rovelle; Uma ideia luminosa – Rogério Andrade Barbosa – Pallas.
LEITURA COMPLEMENTAR
ARCHANJO, Luis Carlos “Rapper”. As causas do fracasso escolar. Disponível em: <https://projetomuquecababys.wordpress.com/2010/05/06/as-causas-do-fracasso-escolar/> Acesso em 04/07/2011.
BOLETIM FAMALIÁ – O Boletim Famaliá é uma iniciativa da Famaliá Produções LTDA. que objetiva divulgar as principais notícias relativas ao universo das culturas populares e dos povos e comunidades tradicionais. As notícias são captadas através de uma grande rede de informantes e serão atualizadas frequentemente no sítio http://www.famalia.com.br/?cat=3 Informações poderão ser obtidas e colaborações poderão ser feitas através do endereço famalia@terra.com.br.
BRAGA, Alexandre Francisco. Educação Afro Indígena: caminhos para a construção de uma sociedade igualitária. Revista FACED, n. 15, Salvador, jan,/jul. 2009, p. 127-141 Disponível em < http://www.portalseer.ufba.br/index.php/rfaced/article/view/3257/3523>
CAVALLEIRO, Eliane. Por um Estado que proteja as crianças negras do apedrejamento moral no cotidiano escolar. Geledes Instituto da Mulher Negra, Portal Geledes. Disponível em:
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JOVINO, Ione da Silva. Literatura Infanto-Juvenil com Personagens Negros no Brasil. Disponível em < href=”http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/literatura%20afrobrasileira_cV.pdf”>http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/literatura%20afrobrasileira_cV.pdf >
OLIVEIRA, Eliana. Identidade, intolerância e as diferenças no espaço escolar: questões para debate, Revista Espaço Acadêmico, Ano I, nº 07, Dezembro/2001. Disponível em <http://www.espacoacademico.com.br/007/07oliveira.htm >
Salloma Salomão – Aruanda Mundi http://aruandamundi.ning.com/?xg_source=msg_mes_network