Vermelho Como o Céu


By Luiz Zanin

Ah, essas histórias de superação (verídicas, ainda por cima) sempre cheiram a pieguice. Por sorte, não é o caso. Vermelho como o Céu, de Cristiano Bortone, evita qualquer apelação lacrimogênea e o resultado é que, por isso mesmo, alcança, em sua simplicidade e sinceridade, aquilo que se pode chamar de uma emoção verdadeira. Isto é, não resultante de recursos apelativos.

Dessa maneira o filme foi reconhecido ao ser eleito o melhor entre os estrangeiros pelos freqüentadores da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no ano passado. Passou pelo crivo do público exigente porque sabe dosar seus elementos dramáticos com senso de economia e trata seu personagem principal de maneira amorosa, porém sem complacência.

Quem é esse personagem? O garoto Mirco (Luca Capriotti), que tem uma infância como qualquer outra na Toscana dos anos 70. Família remediada, pai de esquerda, Mirco brinca com os amigos, vai com eles ao cinema, vive numa daquelas encantadoras cidades pequenas da Itália. Até o dia em que se fere brincando com uma arma de fogo e passa a ter a visão deficiente. Entra aí na história um dado tão cruel como interessante – na Itália daquela época, as crianças portadoras de deficiência visual eram obrigadas a estudar em escolas especialmente destinadas a elas, o que equivale a dizer que eram segregadas. É o destino de Mirco, que será transferido para um colégio para cegos em Gênova.

A idéia central de Bortone é destacar como o desenvolvimento da imaginação pode funcionar como remédio para uma possível limitação. Os meninos vivem uma infância que poderia ser normal: brincam, brigam, competem, aprendem e, quando chega a idade, se interessam pelo sexo. Poderia ser assim mesmo não fosse o pensamento derrotista do diretor que, cego ele próprio, já os coloca como inferiorizados diante da vida. O resto é uma bonita história de superação – e também de transgressão – que o espectador deverá conhecer por si mesmo.

Basta acrescentar que esse filme bastante singelo não precisa flertar com o lugar-comum para reafirmar que o ser humano é bastante plástico e sabe se adaptar mesmo às piores contingências. Basta que tenha alguma assistência e goze da confiança do próximo. Humano para o outro e através do outro, é o que este belo filme reafirma. Vermelho como o Céu entra na linhagem do cinema humanista contemporâneo, parente próximo do igualmente tocante As Chaves de Casa, de Gianni Amelio

http://blog.estadao.com.br/blog/zanin/?title=vermelho_como_o_ceu_ver_a_vida_com_outro&more=1&c=1&tb=1&pb=1

By José Pacheco (*)

Num belo filme, que dá pelo nome de “Vermelho como o céu”, um menino cego guia uma menina por corredores escuros. E uma metáfora de Saramago diz-nos que o grande crime é não cegar quando todos já são cegos. Do “Ensaio sobre a cegueira” ao “Ensaio sobre a lucidez”, Saramago não faz outra coisa que não seja lembrar-nos a tragédia edipiana, que nos fala daqueles que, tendo olhos, não vêem, e de cegos que conseguem ver. Em “Vermelho como o céu”, somente quando alcançam a saída da platónica caverna, a menina reassume a missão de conduzir.

Visitei uma escola, que me diziam ser “inclusiva”. Numa turma da quarto ano, encontrei um aluno “incluído”. Copiava frases escritas no quadro, tão lentamente que, no fim da cópia, a folha foi para o lixo – estava empastada em saliva, que escorria sem que ele a conseguisse conter.

No fundo da sala, o “incluído” tornou-se invisível. A professora explicou por que razão o “incluído” ali estava:

Que quer que eu faça? Ele continua com o livro da 1.ª classe. Com mais de trinta alunos já é difícil ensinar normais. Agora, põem-me um deficiente na sala. Eu nunca tive formação para isto. Não dá!

À impotência e frustração de professores junto o desespero dos pais: Na hora de matricular é aquele abraço – “Nós vamos dar conta da sua filha” – mas, depois, a minha filha passa o tempo todo passeando pela escola, ou no fundo da sala. Tem treze anos, mas não sabe fazer a tarefa que a professora manda fazer em casa. Ela está no terceiro ano, mas tem o livro do primeiro ano e passa as aulas a fazer cobrinhas… A professora é muito simpática, mas… Quando a professora me disse que não sabia trabalhar com a minha filha, eu disse à professora que trabalhasse como trabalhava com todos os outros. Mas a professora disse-me que a Belita não se sabe explicar…

No decurso de um congresso, alguém afirmou: A organização em turmas e anos não combina com Inclusão. Viu, claramente visto, o logro de uma “inclusão de fachada”. Mas há quem não queira ver.

Todas as escolas incorporaram a “inclusão” no discurso. Na prática, são escolas inclusivas não-praticantes.

A “olhómetro”, uma professora arriscou a sentença: A sua filha deve ser disléxica. Leve-a a um psicólogo. Depois de muito dinheiro gasto na psicóloga, a mãe da Rita entregou um relatório à professora. A psicóloga recomendava que se ajudasse a aluna a elevar a sua auto-estima. Na prova seguinte, a vermelho, a Rita recebeu a primeira “ajuda”: Tens de estudar mais. Assim nunca vais conseguir passar de ano.

A mãe insurgiu-se, protestou. No ano seguinte, a Rita foi transferida para outra escola, porque… “naquela escola não havia vaga para deficientes”.

O discurso que apela à integração dos diferentes nas escolas ditas regulares não basta. Não basta assegurar o direito à inclusão; é preciso assegurar a inclusão. Em nome da inclusão, eu tenho visto cometer actos de segregação.

O Almada Negreiros escreveu: Quando eu nasci, todos os tratados que visavam salvar o mundo já estavam escritos. Faltava apenas uma coisa: salvar o mundo. Quando me fiz professor, todos os tratados que visavam salvar a Escola já estavam escritos. Só faltava salvar a Escola.

Eu sei que estou sempre a dizer o mesmo. Mas não desisto. Mais de trinta anos de prática numa “sala de aula” diferente, fizeram com que eu visse a “realidade” com diferentes olhares. Escrevo porque acredito que, algum dia, os professores hão-de compreender por que razão, para certos modos de ver, o céu pode ser vermelho.

(*) José Pacheco – Mestre em Ciências da Educação pela Universidade do Porto, foi professor da Escola daPonte. Foi também docente na escola Superior de Educação do IPP e Membro do Conselho acional de Educação.

http://www.educare.pt/educare/Opiniao.Artigo.aspx?contentid=474C5AF8AE332E75E04400144F16FAAE&opsel=2&channelid=0

Título Original: Rosso Come il Cielo
Diretor: Cristiano Bortoni
Elenco: Luca Capriotti, Patrizia La Fonte, Paolo Sassanelli
Gênero: Drama
Classificação: 12 anos
Duração: 01 h 36 min
Distribuidora: California Filmes
Ano: 2006

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